domingo, 29 de dezembro de 2013

MAIS MÉDICOS - OBRIGADO IRMÃOS CUBANOS.

O exemplo dos médicos cubanos no Pará

Por Vera Paoloni, em seu blog:

Melgaço, no Marajó, Pará, tem o pior IDH - Índice de Desenvolvimento Humano do país, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, divulgado no final de julho. São 24 mil habitantes, dos quais 12 mil não sabem ler e nem escrever, apenas 681 pessoas frequentam o ensino médio, saneamento é zero, saúde é rarefeita e internet só de vez em quando e apenas por celular. O melhor de Melgaço é o povo, as pessoas, atestam Maribel, Oyainis e Maribel as três médicas e o médico cubano Orlando que estão morando e trabalhando no município marajoara desde 21 de setembro, há quase 3 meses. Eles integram o programa audacioso e certeiro "Mais Médicos", que leva assistência e médicos a municípios carentes e vulneráveis. Ponto pro Ministério da Saúde e pra presidenta Dilma Rousseff.

Se o povo é o melhor de Melgaço, o pior é a água. Ribeirinho, Melgaço não tem água tratada e nem saneamento básico. Isso gera micoses e contaminações genitais. Há gravidez muito precoce e um índice alarmante de hipertensão que atinge muitos jovens, resume o quarteto médico cubano que atende 24 pessoas, no mínimo, todo dia em Melgaço, de segunda a sexta. Com a consulta média de 30 minutos, salvo situações mais complicadas e que exigem mais tempo. Em todas as consultas, a medicina preventiva em ação: tratar a água com hipoclorito de sódio, ferver a água, só pra citar um exemplo.

Pobreza e generosidade

Quase a metade, 48% da população de Melgaço é pobre, aponta o Mapa da Pobreza do IBGE publicado em 2003 Grande parte da população do campo tem remuneração de R$ 71,50, fazendo com que as famílias na zona rural sobrevivam, em média, com R$ 662 por mês - menos que um salário mínimo. As distâncias são grandes e se leva até 15 dias pra cruzar o espaço de mais de 6 mil quilômetros. Com toda essa adversidade, o povo de Melgaço é acolhedor e generoso, garantem as médicas e o médico cubanos.

15 horas de barco

Em português entrevistei as três médicas e o médico ontem (19.dez) à noite, emBelém. Na capital, fizeram um treinamento na área de saúde e retornam segunda-feira 23, bem no período de recesso natalino. De Melgaço a Breves, uma hora de barco e de Breves a Belém, mais 14 horas. Ao todo 15 horas pra chegar em Belém, atravessando a baía do Marajó. Maribel Saborit, Oyainis Santos, Orlando Penha e Maribel Hernandez, médicas e médico cubanos se conheceram não em Cuba, país em que nasceram, estudaram, se formaram, casaram, tiveram filhos e trabalharam. Foi em solo brasileiro, em Brasília, que os quatro se encontraram pela primeira vez, em agosto. Agora trabalham em Melgaço e lá ficarão por 3 anos.

9 anos de estudo

Nem a imensidão de água da baía do Marajó, o calor ou as travessias de barco até as comunidades assustam o quarteto médico cubano. Os quatro trabalharam em missões humanitárias na Venezuela e na Bolívia. Estudaram os nove anos da formação de medicina cubana: 6 da medicina geral e mais 3 da medicina integral, algo semelhante à residência médica brasileira, em que a especialização é feita juntamente com trabalho prático. E os quatro trabalhavam em Cuba.

Maribel Saborit tem 21 anos de profissão. Maribel Hernanez, 19 anos. Oyanis, 8 anos e Orlando, 22 anos. Cuba orientou como critério de participação no programa Mais Médicos, o mínimo de uma missão humanitária. Orlando esteve no Paquistão e Venezuela. Oyainis, na Venezuela. Maribel Saborit e Maribel Hernandez, na Venezuela e Bolívia. Além dos 9 anos de estudo, atuação em uma missão humanitária por 3 anos.

Um médico em casa? 

Embora o quarteto fale num bem compreensível portunhol, indago se não falarem bem o português fez com que algum paciente deixasse de entendê-los. "De jeito nenhum diz Oyainis. A gente olha pra eles, conversa e se entende. Fazemos um amplo interrogatório, anotamos, fazemos exames físicos completos".

E Maribel Saborit completa: "o povo é muito acolhedor, generoso e agradecido. Fomos a uma comunidade ribeirinha, fizemos travessia de barco e na casa de um senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois do exame: 4 médicos aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um médico"!

Sem essa de dr, dra 

Fico surpresa quando me dizem que se apresentam aos pacientes como Maribel, Oyainis, Orlando. Assim, sem dr., dra, termos que aqui no Brasil são acrescidos à profissão de médicos. Maribel Saborit ri e me diz: "por que dr., dra? Somos iguais, só tivemos mais chance de estudar, ter uma graduação. Mas nossa identidade é a mesma de quando nascemos".

Nem açaí e nem farinha 

Como a jornada de trabalho em Melgaço é de 40 horas semanais, igual a Cuba, pergunto o que fazem no final de semana pra driblar a saudade de casa, já que as famílias ficaram em Cuba. "Lavamos e passamos nossas roupas, limpamos nossos quartos, lemos, entramos na internet pra passar correio eletrônico, descansamos". E Orlando informa que em julho vão de férias a Cuba.

Os quatro me contam que Belém e Melgaço são "mais quente que Cuba", mas isso não atrapalha. Gostam da comida à base de peixe, frango, carne, arroz, feijão. Só açaí e farinha não faz parte do cardápio deles. "Muito forte o açaí" diz Maribel Saborit sorridente. Eu afianço a elas e ele que não sabem o que estão perdendo. E rimos todos.

Internet, problemão 

O contato com a família é via e-mail, pois falar pelo celular é muito caro. Cada um tem um tablet 3G, que faz parte dos equipamentos do Mais Médicos. E eles compraram um pacote basicão da Vivo, "mas os créditos somem muito rápido", se queixam. Como falar por telefone é caro demais, sobra conversar por e-mail na internet do celular.


Eu digo a elas e ele que quem mora e luta na Amazônia quando vara uma notícia pro mundo, rompe o cordão sanitário do isolamento em que nos encontramos. O acesso à internet poderia ser uma forma de ajudar a romper esse cordão, mas temos o pior acesso de todas as cinco regiões do país e no Marajó, o pior acesso do Pará. Estamos ilhados, portanto.

EU,EU,EU A EUROPA SE ESTREPOU...

Quando a Europa se estrepou?

Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:

Logo no começo da obra prima de Vargas Llosa, Conversas na Catedral, um peruano pergunta ao amigo:

- E quando se estrepou o Peru?

A conversa dá por estabelecido que o Peru se estrepou, está estrepado. Se trata de saber desde quando, a partir de quando, para tentar entender o porquê e o para quem.

Hoje se dá por estabelecido que a Europa está estrepada, que se estrepou. Há distintos diagnósticos, uns que se deve à preguiça dos do Sul, que o ar mediterrâneo e a sesta os teria feito viver acima das suas possibilidades (isso que nós escutamos durante tanto tempo na América Latina). Outros, pela rigidez do Banco Central da Alemanha, que domina a troika e se impõe às outras economias.

Os remédios se diferenciam um pouco, mas no fundo, são amargos todos. Porque todos aceitam que a Europa se estrepou.

O que é um fenômeno de imensas proporções, representa um retrocesso de dimensões civilizatórias, porque o Estado de bem estar social europeu foi uma construçãosolidária, que tinha se tornado uma referência em escala mundial.

Terminar com ele implica assim em um retorno aos tempos de exclusão social e de abandono, que a Europa havia deixado para trás.

Quando se estrepou a Europa? Seria possível localizar esse momento na explosão dachamada primeira guerra mundial, a guerra mais selvagem no meio do mundo que se considerada o mais civilizado, quando as contradições interburguesas que Lenin disse que comandariam a história mundial na entrada do novo século e sua visão se confirmou dramaticamente.

Seria possível também localizar esse momento na divisão da social democracia entre belicistas e pacificistas, com a IIª Internacional abandonando oficialmente o pacificismo e o internacionalismo que havia caracterizado a esquerda até aquele momento, abrindo feridas que não voltariam a cicatrizar-se.

Seria possível igualmente localizar o momento em que a Europa se estrepou quando gerou os monstruosos regimes fascistas e nazistas no seu seio e não foi capaz de derrotá-los, tendo que apelar para apoios externos.

Mas nada disso explicaria a virada atual, porque depois de tudo isso, a Europa ocidental foi capaz de construir Estados de bem estar social, que ao longo de três décadas, foi uma das mais generosas construções sociais que a humanidade tinha conhecido.

Foi então, depois desse momento, que é necessário encontrar o momento em que a Europa realizou a virada que a levou a estar estrepada. Eu localizaria esse momento na passagem do primeiro para o segundo ano do primeiro governo de François Mitterrand, na França. A vitória, finalmente tão comemorada, da esquerda francesa no segundo pós-guerra, propiciou a Mitterrand um primeiro ano de governo centrado nas nacionalizações, na consolidação dos direitos sociais, em uma política externa solidária e voltada para o Sul do mundo.

Mas o mundo tinha mudado, Reagan e Thatcher impunham um novo modelo e uma nova política internacional, com a França sofrendo em carne própria as consequências desse novo cenário. Uma possibilidade seria que a Franca estreitasse suas alianças com a periferia, com a América Latina, a África e a Ásia, liderando aos países que mais duramente sofriam as viradas da globalização. O outra, que foi a que predominou, foi a mudança radical de orientação do governo socialista francês, adaptando-se à nova onda neoliberal, à sua maneira, somando-se como aliado subordinado ao bloco liderado pelos EUA e pela Grã Bretanha.

Essa virada, que consolidou a nova hegemonia, de caráter neoliberal, em escala mundial, inaugurou a modalidade de governos e forças social democratas assimilados à hegemonia dos modelos centrados no mercado e no livre comercio.

A Espanha de Felipe Gonzalez não tardou em aderir a essa nova orientação social democrata, no que foi seguida por outros governos e abriu caminho a que, também na América Latina, essa via se estendesse a países como o México, a Venezuela, o Chile e o Brasil, entre outros.

Essa nova linha política já apontava para a condenação do Estado de bem estar social – um modelo contraditório com o Consenso de Washington, centrado nos direitos sociais -, que mais cedo ou mais tarde faria a Europa pagar o seu preço. A própria unificação europeia se deu já sob essa orientação, com as consultas nacionais centradas não na unificação política da Europa, mas na adesão à criação de uma moeda única, impondo um caráter basicamente monetário a essa unificação.

A crise iniciada em 2008 afetou a Europa absolutamente fragilizada, porque imersa nos consensos neoliberais, o que a impediu de reagir como fizeram governos latino-americanos, que atuaram inspirados exatamente nos modelos reguladores que tinham sido hegemônicos na Europa durante três décadas, reagindo positivamente diante da crise.

O resto é a fisionomia atual da Europa, de destruição do Estado de bem estar social, jogando álcool ao fogo, tomando remédios neoliberais para a crise neoliberal, que só se aprofunda e se prolonga.

sábado, 28 de dezembro de 2013

URUBÓLOGOS

Jornalismo econômico não entende nada de economia e menos ainda de jornalismo

https://www.facebook.com/PoliticaFace
Como os jornalões conseguiram estragar um Natal surpreendente


Folha e Estadão esmeraram-se em tratar as vendas de Natal como um fracasso.

Manchete da Folha: “Comércio tem o pior resultado no Natal em 11 anos”.

Manchete do Estadão: “Com crédito contido e juros altos, vendas de Natal decepcionam”.

Ambos os jornais trabalham em cima de dados da Serasa Experian e da Alshop (a associação dos lojistas de shoppings).

Vamos a alguns erros de manchetes e de análises.

1. Erro de manchete: Se em 2013 vendeu-se mais do que em 2012, como considerar que foi o pior resultado  em 11 anos?

2. A Serasa trabalha especificamente com pedidos de informação para crédito. Houve retração no crédito, mas a maior ferramenta de vendas têm sido o parcelamento (em até dez vezes) em cartões de crédito e de loja. Os jornalões trataram os dados da Serasa como se representassem o universo total de vendas.

3. As vendas em shoppings deixam de lado o comércio para classes C e D - justamente as que mais vêm crescendo. Mesmo assim, os jornalões trataram os dados como se representassem o todo.

4. A Alshop (associação dos lojistas) informou que as vendas cresceram 6% no Natal. O problema maior foi o aumento do número de lojas, que fez com que as lojas mais antigas permanecessem com o mesmo faturamento. Ora, o que expressa o mercado são as vendas totais. A distribuição entre lojas novas e antigas é problema setorial, que nada tem a ver com a conjuntura.

5. Os jornalões deixaram de lado o comércio eletrônico - que tem sido o principal competidor das lojas de shopping. Em 2013 os shoppings centers venderam R$ 138 bilhões, 8% a mais do que em 2012. O comércio eletrônico vendeu R$ 23 bilhões, ou 45% a mais do que em 2012. Somando a venda dos dois segmentos, saltou de R$ 151 bi em 2012 para R$ 161 bi em 2013, aumento de expressivos 12%.

6. Os jornais falam em “decepção”, porque a Alshop esperava crescimento de 10% nas vendas de Natal e conseguiu-se “apenas" 6%. Esperar 10% de crescimento com uma economia rodando a 2% é erro clamoroso de análise. Mas, para os jornalões, o erro está na realidade, que não acompanhou os sonhos.

Se não houvesse essa politização descabida do noticiário econômico, as análises estariam em outra direção: a razão do consumo ainda não ter se acomodado mesmo com dinheiro mais caro, o crédito mais escasso, com a competição de Miami, com o PIB andando de lado etc. E suas implicações sobre as contas externas brasileiras. Estariam questionando também que raios de política monetária é esta, na qual aumenta-se a Selic para supostamente reduzir a demanda agregada, e ela continua crescendo.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

ASSASSINOS DO ESTADO TERRORISTA DE ISRAEL COMEMORAM O NATAL MATANDO E DEMOLINDO



A ONU (Organização das Nações Unidas) condenou a demolição de habitações palestinas naCisjordânia por Israel na noite de natal, pedindo a suspensão imediata das atividades. Cerca de 68 pessoas perderam suas residências.

"A UNRWA (A agência da ONU de ajuda aos refugiados palestinos) condena as últimas demolições na Cisjordânia, as mais recentes na véspera do Natal", afirmou em um comunicado, Chris Gunness, porta-voz da entidade. Até agora, pelo menos 1.103 palestinos foram desalojados em 2013 por estas demolições, "que violam o direito internacional", de 663 construções, entre elas, 250 casas, na Cisjordânia e Jerusalém oriental", afirma a ONU em nota oficial.



Como consequência, a UNRWA "pede a Israel que ponha fim, imediatamente, as demolições administrativas", informa o comunicado.

Canal secreto entre Israel e Palestina

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, têm há anos um canal secreto de diálogo por meio de um empresário palestino que reside em Londres.

Esta via alternativa de comunicação foi estabelecida quando Netanyahu chegou ao poder em 2009, informou nesta quinta-feira (26/12) o jornal israelense Yedioth Ahronoth, ressaltando que perdeu força desde que as partes começaram a falar diretamente, em julho passado, ao redor da mesa de negociações.

Segundo o jornal, nos últimos anos o assessor e homem de confiança de Netanyahu, o advogado Itzjak Moljo, costumava viajar de vez em quando a Londres para abordar questões de interesse mútuo com um interlocutor palestino e homem de confiança do presidente Abbas.

Este tipo de canal informal de diálogo - conhecido no jargão diplomático como "backchannel"- serviu para resolver problemas que preocupavam ambas partes e teve grande importância na legislatura anterior de Netanyahu.

"Tinha três objetivos: resolver problemas diários no terreno, abrir caminho para um possível acordo político, e convencer a outra parte do interesse em retomar as negociações de paz", segundo o "Yedioth".

(*) Com informações da Agência EFE, AFP e RT

PRA QUE SERVEM AS REDES SOCIAIS?

COMO UM SONHO RUIM

Agência Pública
Adital

Por Andrea Dip e Giulia Afiune
Fotos estampam sorrisos, olhares e caretas. Meninas posam para o próprio celular usando maquiagem, unhas feitas, roupas de festa ou mesmo o uniforme da escola – sozinhas ou acompanhadas dos amigos. Tudo é publicado nos perfis de redes sociais para ser "curtido” – a forma mais rápida e fugaz de aprovação online. Cada "like” em um "selfie” (autorretratos feitos com o celular), gato, comida ou sapato novo é esperado com ansiedade principalmente por crianças e adolescentes que passam cada vez mais tempo postando e checando a própria popularidade nas redes sociais. Uma pesquisa à qual a Pública teve acesso na íntegra em primeira mão, realizada pela ONG Safernet em parceria com a operadora de telecomunicações GVT – que entrevistou quase 3 mil jovens brasileiros de 9 a 23 anos – revela que 62% deles está online todos os dias e 80% tem as redes sociais como seu principal objetivo de navegação. Como acontece no mundo todo, o que prevalece é a autoimagem – não é à toa que "selfie” foi escolhida como a palavra do ano de 2013 do idioma inglês pelo dicionário Oxford. De 2012 para 2013, seu uso aumentou 17.000% e a hashtag #selfie acompanha mais de 58 milhões de fotos na rede social Instagram.
A rotina online de duas garotas que estamparam páginas de portais, jornais e revistas no último mês não era diferente. Giana Fabi, de Veranópolis, interior do Rio Grande do Sul, e Julia Rebeca, de Parnaíba, litoral do Piauí, viviam a maior parte do tempo conectadas. Separadas por mais de 3,8 mil quilômetros, as meninas de 16 e 17 anos, respectivamente, acompanhavam ansiosamente a reação online às autoimagens cuidadosamente construídas que postavam.
"Ela era linda, as fotos dela então…”, é a primeira coisa que lembra Gabriela Souza, amiga próxima de Giana, sobre as muitas curtidas nas fotos do perfil da gaúcha no Facebook. Gabriela, que preferiu dar a entrevista através do bate-papo da rede, lembra que a amiga vivia arrumada, se achava bonita mas se preocupava com o peso, como a maioria das garotas de sua idade. Willian Silvestro, de 17 anos, namorado de Giana na época, também comenta sua beleza: "Ela tinha olhos azuis e gostava de realçar com lápis preto. Era vaidosa e amava maquiagem”. Os dois estavam juntos havia um mês e todas as noites se falavam por cerca de duas horas pelo Skype.
Já Julia Rebeca, diz o primo Daniel Aranha, gostava de pintar as unhas com cores diferentes e mostrá-las nas redes sociais. "Todo dia era uma nova. Tinha fotos no Facebook em que ela mostrava a unha pintadinha, desenhada, decorada que ela mesma fazia”. Além das fotos, Giana e Julia escreviam sobre o dia a dia na escola ou na academia e postavam músicas e fotos das cantoras preferidas – Miley Cyrus para Julia e Avril Lavigne para Giana. A piauiense fazia curso técnico de enfermagem e pensava em seguir carreira na área da saúde. Já a gaúcha estava no colegial, mas sonhava em deixar a pequena Veranópolis, de apenas 22,8 mil habitantes, para fazer faculdade em Bento Gonçalves ou Caxias do Sul – cidades médias da região.
A descrição das meninas por amigos e familiares combinam com as fotos: alegres, extrovertidas, falantes, "adolescentes normais”. Mas em novembro deste ano, uma foto em que Giana mostrava os seios e um vídeo em que Julia aparecia fazendo sexo com um rapaz e uma garota foram divulgados através do aplicativo Whatsapp – usado em celulares – e se espalharam pelas rede com a velocidade dos escândalos virtuais. Julia se suicidou no dia 10 de novembro e, quatro dias depois, no dia 14, foi a vez de Giana tirar a própria vida, poucas horas depois de saber que a foto havia sido compartilhada. As duas deixaram mensagens de adeus nas redes sociais e se enforcaram.

Adeus pelo Twitter

"Quem divulgou a foto foi um colega da escola que queria ficar com ela, só que ela não queria ficar com ele”, diz o irmão de Giana, Jonas Fabi, de 29 anos. Ele supõe que o garoto tenha espalhado a foto por vingança. "Eu não tenho certeza, mas ouvi comentários de que possa ter sido um jogo na internet. Tu tá online no Skype com várias pessoas e quem perde tem que mostrar uma parte do corpo. Aí ela perdeu, mostrou e na hora deram um printscreen. Ele guardou essa foto como uma carta na manga para chantagear: ela começou a namorar outro, ele foi lá e fez isso”.
Giana ficou sabendo do que estava acontecendo nas redes por volta do meio dia de 14 de novembro, quando sua prima ligou e avisou, depois de receber a foto em seu celular pelo WhatsApp. "Quando eu soube da foto que estava rolando, liguei pra ver como ela estava. Ela pareceu surpresa, espantada. Dói dizer isso mas acho que ela não sabia de nada antes” lamenta Charline Fabi. "Por volta de uma hora da tarde, começamos a conversar por aqui [Facebook]. Ela dizia que iria fazer uma besteira porque não queria causar vergonha para a família. Eu não acreditava porque ela nunca havia mencionado nada desse tipo. Só mandava ela parar de falar aquilo, que as pessoas iriam esquecer. Mas aí, ela despediu-se de mim dizendo: ‘Eu te amo, obrigada por tudo amor. Adeus”.
Charline lembra que continuou a ligar para a prima e, como ela não atendia, ligou para os pais que entraram em contato com os pais de Giana. Jonas, que morava na casa ao lado, pulou o muro e entrou na residência. Lá encontrou o corpo da irmã, que tinha se enforcado com um cordão de seda. "Na hora a adrenalina me segurou de pé. Quando souberam, o pai desabou, a mãe teve que ir para o hospital, em choque. Depois, quando caiu a ficha pra mim, eu também não aguentei”, lembra, emocionado, falando baixo pelo telefone.
Às 12h56, Giana postou uma mensagem de despedida no Twitter: "Hoje de tarde eu dou um jeito nisso. Não vou ser mais estorvo para ninguém”. Jonas atribui a atitude da irmã ao medo da reação da família. "Ela disse pra prima que não queria que a família sentisse vergonha e sofresse por um erro dela. A nossa família é bem conhecida, e a cidade é pequena, meio bocuda, bastante gente inventa coisas. Às vezes você faz uma coisinha e acabam aumentando. De repente isso até influenciou, pelo fato das pessoas todas se conhecerem, daí acaba espalhando rápido.”
"Outras pessoas podem entender que foram vítimas e não culpadas”

Daniel Aranha, primo da piauiense Julia Rebeca diz que ela também não falou com a família sobre o vídeo. Ele informou que não pode dar detalhes, porque o caso ainda está sendo investigado. O que se sabe é que o corpo de Julia foi encontrado pela família na noite do domingo, dia 10 de novembro, quando voltaram da igreja evangélica que frequentam. Antes de se enforcar com o fio da chapinha, ela também tinha se despedido pelo Twitter, com três posts. "É daqui a pouco que tudo acaba”, "Eu te amo, desculpa eu n [não] ser a filha perfeita, mas eu tentei. Desculpa desculpa eu te amo muito…” e "E tô com medo mas acho que é tchau pra sempre”. Seis horas depois, Daniel deu a notícia pelo microblog. "Aqui é o primo dela, infelizmente perdemos a Julia Rebeca… Família desolada, por favor não postem besteiras… Momento difícil”.
Os dois casos estão sendo investigados por delegacias de polícia locais. O rapaz que divulgou o vídeo de Giana já foi identificado mas Jonas e a família esperam o resultado da investigação para decidir se vão processá-lo. Já no Piauí, mesmo sem saber quem compartilhou o vídeo, Daniel diz que a família espera que a justiça seja feita. "Queremos saber quem fez esse ato irresponsável e queremos punição. Se for um maior de idade, espero que seja punido nas medidas cabíveis, se for menor, não tem punição maior que sua própria consciência. Para ambos, espero que tenham se arrependido e o meu perdão eles têm.”
Depois dos episódios, as mesmas redes sociais estão sendo usadas para homenagear as garotas. Jonas mudou sua foto do perfil para a imagem da irmã, bonita, com um sorriso no rosto. Willian, namorado da gaúcha, também mantém uma foto abraçado com Giana em seu perfil. Daniel alimenta a página "Julia Rebeca – Saudades Eternas” com fotos, comentários, passagens bíblicas e com as músicas preferidas da prima. "É uma forma das pessoas verem nosso amor, e de todos aqueles que a amam deixarem suas lembranças e mensagens. Outras pessoas que passaram por isso podem entender que foram vítimas e não culpadas por fazer algo na sua intimidade”, explica.

Como um sonho ruim

O caso das adolescentes e outros envolvendo mulheres que também tiveram sua intimidade divulgada na rede ganharam grande repercussão em todas as mídias e trouxeram à tona o conceito do "pornô de revanche” – tradução do inglês "revenge porn” – para se referir à prática, cada vez mais comum, de divulgar fotos e vídeos íntimos sem o consentimento da outra pessoa, geralmente por parte de um homem para se vingar após um rompimento ou traição. Um machismo que não se restringe àquele que posta a imagem: afinal, por que um vídeo de sexo ou mesmo uma cena de nudez parcial destrói a vida de meninas e mulheres e não dos homens, que não raro aparecem nas imagens?
"Esse tipo de ameaça, ligada à moral sexual e à ideia de que as meninas são mais expostas a uma avaliação sexual, sempre existiu”, como lembra a socióloga Heloísa Buarque de Almeida. "O que acontece agora é que como uma grande parte da sociabilidade é feita de forma virtual, o nível de exposição é muito maior e isso amplia a sensação de humilhação. Tem algo inovador na ferramenta mas também tem algo que é mais do mesmo” define a socióloga.
Se culpar a ferramenta não é a melhor resposta, há algo definitivamente novo na relação entre intimidade e redes sociais que impacta os adolescentes de uma forma que a sociedade começa a descobrir. Além da decepção com a perversidade de quem violou sua intimidade, a superexposição e o ciberbullying têm um peso muito maior para aqueles que estão em processo de construção da personalidade e de amadurecimento da visão de mundo. A vida online se aproxima – e para eles mal se diferencia – da offline, segundo os especialistas entrevistados pela Pública.
Também ouvimos as "fontes primárias” – os adolescentes – em quatro rodas de conversas com meninos e meninas de 15 a 18 anos, de escolas públicas e particulares de três bairros de São Paulo: Vila Madalena, Jardins e Heliópolis. O resultado desses papos, em muitos momentos surpreendente, você pode ler em formato de HQ clicando nas imagens ao longo da matéria, onde os diálogos foram reproduzidos. A frase de uma adolescente, sobre como se sentiria ao ter sua intimidade compartilhada, resume o sentimento que dali emerge: "Deve ser como naqueles sonhos em que você aparece nua de repente na frente da escola inteira. Só que na vida real e para o mundo inteiro”.

Mais frequente do que parece

Nessas conversas, muitos disseram já ter trocado fotos íntimas com amigos, "ficantes” e namorados, todos já haviam recebido conteúdo sexting e conheciam ao menos um caso de alguém em seu ciclo de amizades que teve a intimidade divulgada. A já referida pesquisa realizada pela Safernet com crianças e jovens de 9 a 23 anos confirma essa tendência: as fotos aparecem como o elemento mais compartilhado na rede por 60% dos entrevistados (vejaum box com mais números e dados exclusivos no fim da matéria). Do total, 20% admitiram já ter recebido conteúdos de sexting e 6% já ter enviado fotos de si mesmos – em 2009, apenas 12% relataram ter recebido conteúdo desse tipo segundo a pesquisa. O estudo mostra também que os que postam para difamar o fazem de forma recorrente: dos que compartilharam fotos ou vídeos eróticos de alguém contra sua vontade, 63% já o fizeram cinco vezes ou mais.
Para a psicóloga Juliana Cunha, que coordena o Helpline, canal de atendimento direto a crianças e adolescentes da Safernet que funciona via chat e e-mail, pais e professores têm que enfrentar o fato de que o sexting faz parte da nova cultura adolescente, por mais chocante que isso possa parecer. "Nós adultos não temos um olhar tão próximo dessa geração que cresce imersa nesse ambiente de interação online. A gente percebe no sexting dois pontos de vista muito antagônicos: o do adulto, que vê geralmente como uma superexposição e como uma erotização precoce, e dos adolescentes, que vêm a troca como código de interação entre eles”.
Juliana conta que é comum, ao começar uma amizade ou paquera online, os adolescentes ligarem a webcam para se conhecer, mas a troca de conteúdo erótico costuma acontecer apenas quando eles se sentem confiantes e íntimos. "Para eles, aquilo é parte das experiências sexuais e de intimidade. E não há dialogo entre as gerações. Cada uma está falando uma língua” diz. A comparação que ela usa para abordar o assunto com pais e professores é de que funciona mais o menos como os jogos sexuais das gerações passadas – a diferença é que se antes aquilo ficava guardado na memória, hoje pode se espalhar e se perpetuar ao cair na rede.
"Os adolescentes sofrem muito quando isso se dissemina, eles ficam marcados, falados, pagam um preço muito alto. As meninas que têm a intimidade exposta são apedrejadas, xingadas, muitas têm que mudar de cidade, deixar a escola. A gente acha que pode desconectar e está tudo bem mas não é assim. E o apoio da familia é determinante sobre como esse adolescente vai superar. Eles relatam muito medo de serem julgados e punidos pelos pais. A escola também precisa intervir e abrir espaços de diálogo porque geralmente ficam espantadas e perdidas. Escutar sem julgar pode ajudar muito”.
No último ano, apenas nos Estados Unidos, 9 adolescentes cometeram suicídio supostamente por terem sofrido ciberbullying em uma rede social chamada Ask.Fm em que alguém faz uma pergunta de forma anônima e o outro tem que responder, como o jogo da verdade das gerações passadas. Apesar de não ser muito conhecida pelos adultos, o Ask.Fm é a terceira rede social mais utilizada pelos adolescentes no Brasil, atrás apenas do Facebook e do Instagram, segundo Manu Barem, editora do Youpix – site que discute a cultura da internet e como os jovens se relacionam com ela.
Manu conta que já sofreu o drama do ciberbullying na pele: "Ele acaba mesmo com a saúde mental das pessoas. Eu já sofri através do Twitter e, mesmo tendo 28 anos, aquilo me desestabilizou profundamente. Imagina na vida de um adolescente que ainda não saiu de casa e não tem as preocupações e raízes de uma vida independente. Coisas assim têm outra proporção. Fora que é dificil hoje falar em uma separação entre identidade online e offline. Isso não existe mais”, diz.
O doutor em ciências sociais e autor do livro "Comunicação e Identidade: quem você pensa que é?” Luis Mauro Sá Martino (veja entrevista completa com ele aqui), concorda com Manu. Para ele, "não faz mais sentido a oposição entre ‘mundo digital’ e ‘mundo real’, apenas entre mundo digital e mundo concreto, físico”. E explica: "O que a gente chama de realidade é um monte de significados que a gente dá para as coisas. No mundo digital, virtual, eu também estou dando significado para as coisas, só que tem o nome de avatar, foto, perfil, link. Nós estamos dentro da realidade humana, essa realidade se manifesta de muitas formas e uma delas é o ciberespaço. Ele só é diferente do espaço físico por uma questão de tecnologia”, diz Sá Martino.
Juliana acrescenta que o mecanismo de relação nas redes sociais é mesmo pautado pela reputação: "Existe uma competição curiosa, em busca dessa audiência, quem tem mais views, as interações online têm essa lógica. Aí você gerencia o tempo todo isso, a percepção que os outros têm de você. E se você percebe que esse ‘eu’ do adolescente está tão capturado pela reputação online, quando isso de alguma forma se abala, vale a pena viver?”
Suicídio por ciberbullying?

A perseguição social – que sempre se manifestou contra a sexualidade das mulheres – se mostra especialmente aguda, porém, no espaço virtual em que nada se apaga, nada se estanca e nada se restringe. O bullying, comportamento comum na adolescência, pode desestruturar completamente a vítima, como mostram os posts dramáticos das adolescentes brasileiras que se mataram.
Para o psiquiatra e autor do livro "O Suicídio e sua Prevenção”, José Manoel Bertolote, não se pode determinar, porém, o bullying como causa única de um suicídio. Ele explica que 85% dos adolescentes que tiram a própria vida têm um transtorno psiquiátrico na ocasião, o que é chamado de fator predisponente. "Quando a ele se junta um fator precipitante, pode se desencadear o processo suicida”. Aí entraria o fator ciberbullying. "[O psicólogo Bruno] Bettelhein postulou [no livro A Psicanálise dos Contos de Fada] que uma das funções das fábulas e contos de fada era preparar as crianças para a vida adulta através de símbolos. A era eletrônica mudou a forma como as crianças veem o mundo: dos videogames, às redes sociais e aos reality shows vivem num mundo paralelo, ao mesmo tempo voyeurs e exibicionistas, num tempo ilusório, num espaço distorcido e numa realidade artificial”, diz.
O psiquiatra também não descarta a possibilidade de que, no caso das meninas brasileiras, um suicídio tenha influenciado o outro: "Não é impossível. É bem conhecido o ‘efeito Werther’, de imitação de comportamentos suicidas. Em geral, há um determinado pool de pessoas com alto rico de suicídio (pela existência de fatores predisponentes) e, para elas, a informação sobre um caso de suicídio (ou tentativa) pode ser o fator precipitante que faz transbordar o copo d’água. Não é por nada que a OMS recomenda o comportamento adequado da mídia como um das formas eficazes de prevenção dos comportamentos suicidas”.
Em uma palestra sobre o tema, o pós-doutor pela Universidade de Londres e doutor em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Neury Botega, também explicou que muitos fatores se combinam no suicídio. "Nunca é apenas um motivo. Há causas genéticas e biológicas, o grau de impulsividade e agressividade, abusos físicos ou sexuais, disponibilidade de meios letais, entre outros. Há pesquisas que demonstram que até o perfeccionismo está associado ao suicídio, especialmente de adolescentes”, disse.
Recentemente, a equipe do Facebook, se dizendo preocupada com mensagens suicidas postadas na rede, lançou uma ferramenta que identifica conteúdos suspeitos, manda um e-mail e oferece um link para uma conversa privada com um especialista. A ferramenta está disponível apenas para os Estados Unidos e Canadá mas deve ser liberada para outros países em breve.

Botão Prozac de curtir
"Eu já vi uma menina que tava, tipo, feliz numa balada e quando viu uma postagem de um carinha no Facebook ficou brava, triste, surtou, mudou o humor dela completamente. Assim como quando o menino que eu gosto curte a minha foto me dá uma alegria tão grande que eu tenho vontade de abraçar a minha família! Isso não é normal né? Ficar tão feliz com uma coisa assim”, disse Maria, de 16 anos, durante uma das rodas de conversa. Todos eles, meninos e meninas admitiram se importar exageradamente com curtidas que ganham em fotos, vídeos e músicas que postam nas redes sociais. Para alguns, o "like” mais importante vem de alguém especial; para outros, o número é o que realmente conta – e aí adicionam todos que pedem para se tornar amigos, sem saber quem são. Muitos também disseram se comunicar com o/a namorado/a apenas por mensagens de texto e não sentir falta da conversa por telefone, por exemplo. A interação online parece ser, na maioria das vezes, suficiente para eles.
O que não significa que realmente seja, como destaca o psicólogo e pesquisador Vitor Muramatsu, autor do trabalho "Influência da comunicação digital nos vínculos humanos” que você pode baixar na íntegra aqui. "Eles [os adolescentes] passam por diversos processos psicológicos como encontrar uma identidade, formar uma personalidade, questionar o que aprenderam em casa e na escola. E os laços que antes eram formados com a convivência real e uma série de trocas ricas que só a interação física permite em silêncios, tons de voz, cheiro e toque foram substituídos por interações online. Ter vários amigos no Facebook não é como conviver fisicamente com alguns poucos e bons amigos. A pergunta é: como essas crianças e adolescentes vão se formar nesse novo contexto? Não vai ser melhor ou pior mas a gente tem que parar para pensar e estudar as consequências disso” acredita o psicólogo.
Para ele, há também um desencontro entre o desejo de alguém que posta uma foto, por exemplo, e a recepção que ela terá pelos amigos virtuais. "Eu coloco uma foto minha de criança e espero que os meus 550 amigos curtam porque quero que eles vejam o quanto eu era lindo e amado pelos meus pais naquela época. Ou mando uma foto nua para um garoto mas ele é adolescente, não quer saber de mim ou queria mas mudou de ideia, nem ele sabe o que quer. A relação que você tem com a foto é muito carregada de sentimentos e isso se perde totalmente quando alguém olha rapidamente na sua timeline ou recebe por WhatsApp. Existe uma perda entre meu desejo e a consecução do desejo. Aparentemente bastam algumas curtidas mas nunca é o suficiente. Todas as tecnologias prometem satisfação imediata, um botão ‘Prozac’ de curtir, mas isso é um engodo”.
Muramatsu vai além na reflexão. Para ele,cada vez maisas redes sociais estão se tornando grandes sites de compras. "O sistema pode ser utilizado para encontros efetivos, mas o mercado faz com que a sua atenção se volte para o consumo de produtos e não para a efetivação da sua subjetividade. A Mariana, que posta que está solteira, vê a foto de um cara bonito e logo abaixo um anúncio de escova progressiva. Ela pensa que precisa ficar bonita para arrumar um namorado bonito assim, clica no link e compra a escova progressiva. No site, ela vê uma outra propaganda de um casal feliz em Campos do Jordão no qual a moça é retocada no photoshop para ter um corpo perfeito. Para ficar assim, ela compra a promoção de lipocavitação. E o mais terrível é que você substitui o relacionar-se com pessoas por relacionar-se com pessoas como produtos, porque o cara vai realmente sair com a moça que tem a escova progressiva”. E conclui: "A lógica de mercado desconhece a diversidade humana. É preciso que se discuta, é preciso de estudo, tolerância, estrutura. Não estamos falando apenas sobre a menina que se suicidou. Vivemos um contexto gigante de economia de mercado em que as pessoas também são produtos e que um dos efeitos colaterais é esse: quebrar onde é mais frágil. A impressão é de que é tudo melhor, vamos nos relacionar mais, ser mais felizes, estar mais perto. Mas não é isso que acontece. Acho que a gente está no ápice das tecnologias do desencontro humano. E tem gente morrendo por causa disso”.
Pesquisa da Safernet brasil mostra que sexting é prática comum entre adolescentes
APúblicarecebeu, em primeira mão, a pesquisa da ONG Safernet sobre como os jovens brasileiros usam a internet. Além disso, tivemos acesso exclusivo aos dados do Helpline Br, serviço de orientação online para crianças e adolescentes que estejam vivenciando situação de risco na Internet. (www.canaldeajuda.org.br).
Dos 2834 jovens entre 9 e 23 anos que participaram da pesquisa, 62% afirmam que usam a internet todos os dias. O número cresce para 86% entre os jovens de 16 a 23 anos. As redes sociais são a atividade preferida por 80% dos participantes, seguida por ouvir músicas e assistir filmes (57%) e jogar jogos (55%). Celulares e tablets ocupam o segundo lugar na lista dos dispositivos mais utilizados para o acesso, com 38%, atrás apenas dos computadores no quarto, usados por 47%.
"Se eu tô o tempo todo conectado, significa que eu tenho que interagir, correr e responder as informações que eu recebo o tempo todo”, explica Luís Mauro Sá Martino, doutor em Ciências Sociais e autor do livro "Comunicação e Identidade: Quem você pensa que é?”. "Isso faz com que a gente mude a nossa relação com o tempo e com as outras pessoas. Eu tenho um número maior de conexões, mas isso não significa que eu tenho mais amizades, porque afeto demanda tempo.”
39% dos participantes considera que seu comportamento não muda nas redes, mas 23% acreditam ficar mais confiantes e descontraídos e 22% mais cuidadosos quando estão online.Dos jovens entre 16 e 23 anos, 17% acreditam que podem dizer coisas online que não diriam offline, 15% dizem ser mais descontraídos, 9% mais confiantes e 12% conversam com mais pessoas na internet do que fora.
O Sexting – compartilhamento de fotos, vídeos ou textos com teor sensual e erótico é comum entre eles. 20% afirmam que já receberam esse tipo de conteúdo. Dentre estes, 42% receberam 5 ou mais vezes. Apenas 6% assume que já compartilhou este tipo de foto de si, dentre os quais 63% o fizeram 5 ou mais vezes. Este fenômeno é mais comum entre meninos e se torna mais frequente com a idade. 32% dos jovens entre 16 e 23 anos já receberam esse tipo de conteúdo relativo a amigos e/ou colegas. 8% confirma que já enviou, o que aumenta para 13% a partir dos 18 anos.
Entre janeiro de 2012 e novembro de 2013, 7,7% dos pedidos feitos ao Helpline Br eram relativos a Sexting. Ou seja, foram 135 pedidos de ajuda em cerca de dois anos. Este é o quarto na lista dos assuntos mais citados nos atendimentos – atrás de Ciberbullying (20,9%), solicitação de materiais/palestra (10,9%) e problemas com dados pessoais (9,8%).
"Conforme a Internet passa a ocupar cada vez mais tempo e importância na vida dos adolescentes e jovens brasileiros, o namoro e as relações mais íntimas tendem a ocorrer também nos ambientes digitais, assim como ocorria com os bilhetes, cartas, telefonemas”, detalha o relatório da pesquisa. "Uma grande diferença a ser considerada atualmente é a amplitude do público potencial nos ambientes digitais e a replicabilidade das informações que rapidamente podem ser usadas sem o consentimento dos "proprietários”.
Quando jovens entre 16 e 23 anos se sentem em perigo ou são agredidos na Internet, 49% bloqueia o contato e denuncia e 9% tenta descobrir quem é o responsável e tirar satisfações. A exemplo de Giana e Julia, que não contaram para a família sobre a sua exposição na rede, apenas 12% pedem ajuda para os pais e 4% para irmãos e amigos. 8% desligam o computador e tentam esquecer.
O ato pode ser interpretado como difamação (imputar fato ofensivo à reputação) ou injúria (ofender a dignidade ou decoro), considerados crime de acordo com os artigos 139 e 140 do Código Penal. Além disso,o artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa para quempublicar materiais que contenham cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Já a Lei 12.737, em vigor desde abril, criminaliza a invasão de dispositivo informático alheiopara obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular. Quem tiver essa conduta pode pagar multa e ser preso por três meses a um ano. A lei foiapelidada de "Carolina Dieckmann” após a atriz ter seu computador hackeado e suas fotos íntimas divulgadas.
No entanto, os recentes casos trouxeram à tona propostas para uma legislação mais específica e penas mais rígidas.Ao todo, cinco projetos tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados.O deputado federal Romário(PSB/RJ)apresentou, em outubro de 2013, o projeto de leinºPL 6630/2013, que acrescenta um artigo ao Código Penal, criminalizando a divulgação de fotos, imagens, sons e vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima.Nesse caso, a pena seria a detenção de um a três anos e multa. Ela podeaumentar em um terço se o crime for cometido com fim de vingança ou humilhação ou praticado por alguém que manteve relacionamento amoroso com a vítima.Também tramitam os projetos de lei nº 6713/2013, de autoria da deputada Eliene Lima (PSD/MT), e o projeto de lei nº 6831/2013, do deputado Sendes Júnior (PP/GO). Ambos dispõem sobre o crime de vingança através da exposição da intimidade física ou sexual.
Em maio desse ano, o deputado João Arruda (PMDB/PR) propôs alterações à Lei Maria da Penha para determinar que a divulgação de imagens, montagens, vídeos e dados por meio da Internet ou outro meio, sem consentimento, também seja considerada uma violência contra a mulher. Trata-se do projeto de lei nº 5555/2013, conhecido como "Lei Maria da Penha Virtual”. O projeto nº 5822/2013 da deputada Rosane Ferreira (PV/PR) prevê a punição "da violação da intimidade da mulher na internet no rol das formas de violência doméstica e familiar”. Atualmente, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) estipula uma pena de três meses a três anos de detenção no caso de lesão corporal levecontra a mulher no âmbito doméstico.
Já o projeto de lei do Marco Civil da Internet (PL 2126/11), que em 2009 começou a ser construído por um processo colaborativo entre sociedade civil e poder legislativo, traz uma série de regulamentações sobre a utilização da rede no país. Recentemente, o relator Alessandro Molon (PT-RJ) incluiu no texto um artigo que responsabiliza provedores de aplicações de internet, como UOL e Facebook, se a empresa for notificada e não tirar do ar "imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado sem autorização de seus participantes.”
No entanto, organizações que fazem parte do movimento Marco Civil Já questionam a mudança. "Da forma como está escrito, qualquer pessoa que se sentir ofendida com determinada nudez de caráter privado, divulgada com a anuência de quem está na imagem, pode solicitar a retirada do conteúdo a qualquer momento. Até uma empresa que teve um protesto de nudismo em sua porta poderia alegar participação na imagem. É preciso encontrar uma redação que restrinja a possibilidade de notificação apenas à pessoa retratada no conteúdo”, considera Deborah Moreira, da Ciranda, citando a carta do Marco Civil Já enviada ao relator contestando o artigo. "O termos "outros materiais” é complicado também pois dá margem a censura de caricaturas, textos eróticos e coisas do tipo. Da forma como está fere a liberdade de expressão.”
Deborah argumenta que o Marco Civil é uma carta de princípios que garante direitos, estabelece deveres e prevê o papel do Estado em relação ao desenvolvimento da internet. Assim, não seria o espaço apropriado para pautar restrições ao uso da internet. "Já existem leis que criminalizam essas como a Lei Carolina Dieckmann e o próprio Código Penal.”
De acordo com o texto,quem sofrer a violação dos direitos à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagemdeve receber indenização por danos materiais ou morais.O projeto deve ser votado na Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2014, em regime de urgência.
Colaboraram: Bruno Fonseca e Jéssica Mota
HQ: Alexandre De Maio
Infográficos: Safernet Brasil

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O IMPÉRIO NO CONTROLE

E se o Grande Irmão controlar a internet?

Por Peter Van Buren, no sítio Outras Palavras:

Após alimentar sonhos de uma comunicação radicalmente livre, ainternet poderia converter-se no exato oposto? A digitalização, que hoje acelera a circulação de informações em todos os formatos e linguagens, não facilitaria, também, a eliminação de informações e opiniões que já não têm existência material — porque foram reduzidas a impulsos eletrônicos? Nos últimos dias, fatos novos reforçaram a urgência de considerar estas ameaças com seriedade e de encontrar meios para afastá-las.

Nos Estados Unidos, depois de analisar a fundo o sistema de coleta maciça de informações sobre as chamadas telefônicas dos cidadãos, mantido pela Agência Nacional de Segurança (NSA) um juiz considerou-o, em 14 de dezembro, “quase orwelliano”. Três dias depois, um grupo de consultores formado pelo presidente Barack Obama para analisar este mesmo mecanismo recomendou uma série de mudanças. Propôs, em especial, retirar os poderes que pequenos grupos de assessores militares têm hoje para ordenar a vigilância direta sobre o conteúdo das comunicações mantidas por certas pessoas, a partir da identificação de seus interlocutores frequentes. Não há, no entanto, qualquer garantia de que as recomendações sejam adotadas.

Ao contrário: analistas de assuntos de segurança, ouvidos pelo “New York Times”, disseram “duvidar” que Obama tenha “coragem” para enfrentar a vasta rede de agências de espionagem formada após 11 de setembro de 2001 e a assinatura da “Lei Patriótica“. Um assessor da Casa Branca afirmou que o presidente analisará as propostas em suas férias de fim de ano no Havaí, mas que já descarta uma delas: precisamente a que desmantelaria certas articulações entre tais agências, para limitar seu poder.

Até onde pode ir este controle sobre a comunicação? No texto a seguir, Peter Van Buren, um diplomata norte-americano ainda na ativa, chama atenção para um de seus aspectos mais aterrorizantes. Num mundo em que as informações estão sendo digitalizadas em enorme velocidade e em que os suportes físicos estão desaparecendo, pode tornar-se fácil demais “apagar” informação incômoda. Não se trata apenas de hipótese. Van Buren, que escreve em publicações como The NationHuffington Post eMother Jones, apresenta os sistemas que já são utilizados (embora em pequena escala), por governos e empresas para restringir o acesso dos cidadãos a certos conteúdos. No momento, prossegue ele, isso é feito com pretextos consensuais: por exemplo, restringir o acesso a sites que estimulam a pedofilia e o abuso de crianças. Mas, em novos cenários políticos, as mesmas técnicas de invisibilização não poderiam ser utilizadas contra ideias dissidentes? Não estamos arriscados a materializar o “buraco de memória” previsto por George Orwell em “1984″?

O alerta de Van Buren não precisa ser tomado como uma sentença. Assumir a ameaça como algo inevitável seria, aliás, um convite ao conformismo. Mas na agenda de temas sobre os quais é preciso agir para construir um planeta habitável no futuro, parece cada vez mais necessário destacar a disputa pela liberdade na internet. Talvez o que esteja em jogo, nesta batalha, seja a própria possibilidade de democracia e liberdade de expressão. (A.M.)
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E se fizessem Edward Snowden desaparecer? Não, não estou sugerindo alguma iniciativa “inovadora” da CIA, ou uma teoria conspiratória ao estilo de “quem matou Snowden?”, mas algo ainda mais tenebroso.

E se simplesmente fosse possível fazer desaparecer tudo o que alguém denunciou? E pudessem ser eliminados, em tempo real, todos os documento da Agência de SegurançaNacional (NSA) revelados pelo ex-agente Snowden — cada entrevista que ele concedeu, cada indício documentado sobre um Estado de segurança nacional que fugiu de qualquer controle? E se a publicação de tais revelações pudesse ser reduzida a um esforço estéril, como se os fatos não existissem mais?

Estou sugerindo o enredo para o romance de algum George Orwell do século 21? Dificilmente. À medida que caminhamos para um mundo totalmente digitalizado, coisas semelhantes poderiam ser possíveis em breve, não na ficção cientifica, mas no nosso mundo real, apenas pressionando um botão. Na verdade, os primeiros protótipos de uma nova técnica de ocultameno radical já estão sendo testados. Estamos mais perto de uma distópica realidade aterradora, que poderia ter sido o tema de romances futuristas imaginários. Bem-vindo ao buraco da memória.

Mesmo se um futuro governo cruzar novas linhas vermelhas e simplesmente assassinar os vazadores de informações sigilosas, outros sempre emergirão. Mas em 1948, em sua assustadora 1984, no entanto, Orwell sugeriu uma solução mais diabólica para o problema. Evocou um artificio tecnológico para o mundo do Grande Irmão (Big Brother) que chamou de buraco da memoria. Em seu futuro sombrio, exércitos de burocratas, trabalhando ironicamente no Ministério da Verdade, passavam suas vidas apagando ou alterando documentos, jornais e livros, a fim de criar uma versão aceitável da história. Quando alguém caía em desgraça, o Ministério da Verdade o excluía, e toda documentação relacionada com sua vida, ia para o buraco da memoria. Cada artigo ou noticia que mencionava ou registrava de alguma maneira sua vida era modificado para erradicar todo o indicio de sua existência.

No mundo pré-digital de Orwell, o buraco da memoria era um tubo de vácuo no qual velhos documentos eram fisicamente destruídos para sempre. As alterações de documentos existentes e a eliminação de outros asseguravam que nem mesmo as repentinas alterações de alianças e inimigos globais estabilidade representassem problema para os guardiões do Grande Irmão. Neste mundo imaginado, graças aos exércitos de burocratas, o presente era o que sempre havia sido e os documentos alterados comprovavam este fato, sem o risco de que memórias titubeantes pudessem argumentar em contrário. Qualquer pessoa que expressasse dúvidas sobre a verdade do presente seria marginalizada ou eliminada, sob acusação de “crime de consciência”.
Censura digital, governamental e corporativa
A maioria de nós acessa notícias, livros, músicas, filmes e outras formas de comunicação por meios cada vez mais eletrônicos. O Google já tem mais 
receita publicitária que o conjunto de todos os meios impressos dos EUA. Mesmo a venerável Newsweek não publica mais uma edição em papel. E nesse mundo digital esta se explorando a possibilidade de um certo tipo de simplificação. Os chineses e iranianosentre outros, por exemplo, já implementaram estrategias de filtragem na web para bloquear o acesso a sites e material que não são aprovados pelos governos. Do mesmo modo (embora sem sucesso), o governo dos EUA bloqueia o acesso de seus funcionários ao Wikileaks e ao material divulgado por Edward Snowden, ainda que a censura não prevaleça em suas casas. Ainda não.

A Grã-Bretanha, no entanto, dará em breve um passo significativo, no que diz respeito ao que o cidadão pode ver na web, inclusive quando está em sua casa. Antes do fim do ano, quase todos os usuários de internet serão incluídos num sistema destinado a 
filtrara pornografia. Por padrão, os controles também bloquearão o acesso a material violento, conteúdo relacionado a extremistas e terroristas, sites relacionados a anorexia, distúrbios alimentares e suicídios, assim como sites que mencionem álcool e tabagismo. O filtro também bloqueará material esotérico, embora grupos ativistas baseados no Reino Unidos exijam explicações.

E as formas de censura na internet patrocinadas pelos governos estão sendo privatizadas. Novos produtos comerciais, de fácil aplicação, garantem que uma organização não precise ser a NSA para bloquear conteúdos. Por exemplo, a 
Blue Coat é uma empresa-líder em “segurança” na internet é uma importante exportadora de tais tecnologias. Pode estabelecer facilmente um sistema para monitorar e filtrar todo o uso da internet, bloqueando sites por seu endereço www, por palavras-chaves ou mesmo por seu conteúdo. O software da Blue Coat é empregado, entre outros, pelo exército dos EUA, para controlar o que seus soldados veem quando deslocados ao exterior; e pelos governos repressivos da SíriaArábia Saudita e Myanmar para bloquear ideia políticas do exterior.Busca no Google…
Em certo sentido, o buscador do Google também poderia fazer desaparecer material. No momento, é simpático aos denunciantes. Uma rápida busca (0,22 segundos) produz mais de 48 milhões de hits sobre Edward Snowden, que se referem em sua maioria aos documentos filtrados da NSA. Alguns dos sites apresentam os próprios textos, etiquetados como Top Secret. Há menos de meio ano, somente membros de um grupo muito limitado no governo, ou conectado contratualmente com ele, poderiam ver coisas semelhantes. Agora, estão disponíveis em toda a web.

Buscador numero um na internet, o Google parece uma máquina para difundir maciçamente — e não suprimir — noticias. Coloque qualquer informação na web e é provável que o Google encontre-a rapidamente, agregando-a aos resultados de sua busca no mundo inteiro, às vezes em segundos. Mas como poucas pessoas pesquisam além dos primeiros resultados, o simples fato de estar presente ou oculto entre estes tem enorme significado. Já não basta fazer com que o Google note o que você produz. O que importa agora é conseguir que coloque o material suficientemente acima, na pagina de resultado das buscas. Se o seu site é o numero 47.999.999, numa pesquisa sobre Snowden, você pode dar-se por morto, praticamente desapareceu. Pense nisso como ponto de partida para as formas mais significativas de desaparecimento, que podem nos aguardar no futuro.

Ocultar algo aos usuários, reprogramando as maquinas de busca, é outro passo sombrio no futuro. Mais um é a eliminação efetiva de conteúdos, um processo que exigiria reprogramar os computadores que realizam a pesquisa. E se o Google se negar a implantar esta possível mudança em direção a buscas destrutivas, a NSA — que parece já ser capaz de projetar seus tentáculos 
dentro do buscador — poderia implantar sua própria versão de um código maligno, como já fez em pelo menos 50 mil casos.

Mas não se preocupe apenas com o futuro: uma estratégia de busca negativa já funciona, mesmo que seu objetivo atual, agir contra os pedófilos, seja fácil de aceitar. O Google introduziu recententemente um software que dificulta a busca de material relacionado a abuso infantil. Como disse o chefe da empresa, 
Eric Schmidt, o buscador foi programado para limpar mais de 100 mil palavras-chaves usadas por pedófilos para buscar pornografia infantil. Agora, por exemplo, quando os usuários fizerem pesquisas que possam estar relacionadas com abuso sexual, não encontrarão resultados que levem a conteúdo ilegal. Em seu lugar, o Google orienta para sites de ajuda e conselhos. Em breve presenciaremos essas mudanças em mais de 150 idiomas, de modo que o impacto seja verdadeiramente global, escreveu Schmidt.

Enquanto o Google reorienta as buscas de pornografia infantil para sites de aconselhamento, a NSA desenvolveu uma capacidade parecida. A agência controla um conjunto de servidores com o codinome Quantum, que se encontram na rede central da internet. Sua tarefa é reorientar objetivos, afastando-os dos destinos solicitados e redirecionando-os para sites preferidos pela agência. A ideia é: você digita o endereço de um site e é conduzido a outro, menos odiado pela agencia. Embora atualmente essa tecnologia seja usada para enviar potenciais jihadistas online a materiais islâmicos mais moderados, no futuro poderá ser empregada, por exemplo, para reorientar as pessoas que procuram noticias de site como a Al-Jazeera a outra agência, que se ajuste à versão dos fatos construída pelo governo.… e destrói!
No entanto, as tecnologias de bloqueio e reorientação, que provavelmente serão mais sofisticadas no futuro, não constituem a maior ameaça. O Google já prepara o passo seguinte, a serviço de uma causa que quase todos aplaudirão. Está implementando tecnologia capaz de identificar imagens fotográficas de abuso infantil cada vez que aparecem em seu sistema, assim como tecnologia de comprovação capaz de verificar e eliminar vídeo ilegais. As ações da empresa para combater a pornografia infantil podem ser muito bem intencionadas, mas a tecnologia que esta sendo desenvolvida para tanto deveria nos aterrar a todos. Imagine se, em 1971, os 
Papéis do Pentágono, o primeiro documento sobre as mentiras da guerra do Vietnã a que a maioria dos norte-americanos teve acesso, houvessem sido eliminados. Se a Casa Branca de Nixon tivesse desaparecido com esses documentos, a história não teria seguido um caminho diferente, muito mais sombrio?

Ou considere um exemplo que já é realidade. Em 2009, muitos donos de leitores de livros digitais Kindle descobriram que a Amazon havia colocado suas mãos em seus aparelhos durante a noite e 
eliminado remotamente as copias de Revolução do Bichos e 1984 de Orwell (não é uma ironia). A empresa explicou que os livros, publicados por erro em suas maquinas, eram na realidade, copias dos romances vendidas ilegalmente. Da mesma maneira em 2012, Amazon apagou o conteúdo do Kindle de um cliente sem advertência prévia, afirmando que sua conta estava relacionada com outra conta que havia sido previamente encerrada por ir contra as políticas da empresa. Usando a mesma tecnologia, a Amazon tem agora a capacidade de atualizar livros em seu aparelho, com o conteúdo alterado. Depende da empresa informar os usuários a respeito ou não.

Além do Kindle, o controle remoto sobre outros aparelhos já é uma realidade. Grande parte dos softwares de nossos computadores comunica-se, em segundo plano, com servidores da empresa produtora, sendo sujeitos a atualizações automáticas que podem alterar seu conteúdo. A NSA utiliza malware, software maligno implantando remotamente em um computador, para 
alterar o modo de funcionamento da máquina. O código do vírus Stuxnet, que provavelmente danificou mil centrifugas usadas pelos iranianos para enriquer urânio, é um exemplo de como pode operar algo parecido.

Atualmente, cada iPhone já checa, com a sede central [da Apple], que aplicativos foram comprados; e sobre que links você clica rotineiramente, A Apple preserva-se o direito de
desaparecer com qualquer aplicativo, por qualquer motivo. Em 2004, TiVo processou a Dish Network por entregar a seus clientes set-top boxes [equipamento para conectar televisões], que segundo a TiVo infringiam suas patentes de software. Apesar do caso ter sido solucionado em troca de uma grande indenização, como remédio inicial, o juiz ordenou a Dish que desativasse eletronicamente todos os 192 mil aparatos que havia instalado nas casas dos clientes. No futuro, pode haver cada vez mais meios para invadir e controlar computadores, alterar e fazer desaparecer o que está sendo lido, enviar os internautas a sites que não buscavam.

As revelações de Snowden, sobre o que faz a NSA para reunir informação e controlar a tecnologia, fascinaram o planeta desde junho, mas são apenas parte da equação. Como o governo ampliará seus poderes de vigilância e controle no futuro é uma história que ainda não foi contada. Imagine instrumentos para ocultar, alterar ou eliminar conteúdos com campanhas difamatórias para desacreditar ou dissuadir denunciantes. O poder que está potencialmente à disposição dos governos e corporações tornou-se mais evidente.

A possibilidade de ir além de alterar conteúdos, e modificar a maneira como as pessoas atuam também se encontra, obviamente, nas agendas governamentais e corporativas. A NSA já reuniu dados para chantagem 
espionando o acesso de muçulmanos radicais a pornografia digital. Também interceptou eletronicamente um congressista norte-americano sem possuir um mandato judicial. A capacidade de reunir informações sobrejuizes federais, dirigentes do governo e candidatos presidenciais fazem com que osesquemas de chantagem de J. Edgar Hoover, no FBI da década de 50, parecerem tão pitorescos quando as meias soquete e saias poodle da sépoca. As maravilhas da Internet nos maravilham todos os dias. As possibilidades distópicas orwellianas da rede não tinha, até recentemente, chamado a nossa atenção da mesma forma. Elas deveriam.Leia isso agora, antes que seja apagado
O possível futuro que espera os futuros vazadores de informação dos serviços de inteligência é aterrorizante. Agora, quase tudo é digital. Se grande parte do tráfico da internet mundial flui através dos Estados Unidos ou países aliados (ou da infra-estrutura de companhias norte-americanas no exterior); se máquinas de busca podem encontrar em questão de frações de segundos qualquer coisa; se, nos EUA, a 
Lei Patriótica e as decisões secretas do Tribunal de Supervisão da Inteligência Externa convertem o Google e gigantes da tecnologia em enormes instrumentos do Estado de segurança nacional; e se tecnologias sofisticadas podem bloquear, alterar e apagar material digital, apertando apenas um botão, o buraco da memoria já não é mais ficção.

Revelações vazadas terão tão pouco sentido como velhos livros empoeirados no sótão, cuja existência é ignorada. Poste o que quiser. As leis de liberdade de expressão permite que você o faça. Mas que sentido haverá, se ninguém puder ler? Seu tempo seria melhor empregado parando em alguma esquina e gritando aos transeuntes. Num futuro já fácil de imaginar, um conjunto de revelações similares às de Snowden poderá ser bloqueado ou excluído com tanta rapidez que ninguém poderá republicá-las.

Tecnologia em contínuo desenvolvimento, se viradas 180 graus, poderão eliminar maciçamente informações e opiniões. A internet é um espaço amplo, mas não infinito. Está centralizando rapidamente informações nas mãos de poucas corporações, sob o controle de poucos governos e os EUA encontram-se no centro das principais rotas de trânsito da rede.

Agora, você deveria sentir um calafrio. Estamos vendo, em tempo real, como 1984 passa de uma fantasia futurista para um manual de instruções. Se isso ocorrer, não será necessário matar um futuro Edward Snowden. Ele já estará morto.


* Tradução de Cauê Seignemartin Ameni.