sábado, 24 de maio de 2014

LÍBIA

Líbia de novo no cenário internacional

Lejeune Mirhan *

Desde a derrubada de Muammar Khadaffi em 2011, apoiado por rebeldes e terroristas que assolam todo o mundo árabe e com bombardeio das forças da OTAN, seus grandes aliados, a Líbia quase estava fora do noticiário internacional. Voltou quando um embaixador estadunidense foi morto em Benghazi. O Estado líbio foi praticamente destruído. O espírito tribal volta à cena e o exército se desfaz. Agora, surge um general que pretende alterar a estrutura de coisas. É tema de nossa coluna esta semana. 


Ele atende pelo nome de Khalifah Haftar. Foi general do antigo exército do Estado líbio com Khadaffi. Havia se exilado ao romper com o coronel e líder do país por décadas. Biografias disponíveis dizem que ele até teria sido treinado na Rússia. Mas, o certo é que estava exilado e morando nos Estados Unidos.

Pois bem. Para surpresa de muitos e com pouca ou quase nenhuma cobertura da mídia internacional, eis que ele surge se autodenominando comandante do Exército Nacional Líbio, coisa inexistente. Um ajuntamento de soldados recrutados em tribos simpatizantes do general, em especial a da família Khadaffi.

No último domingo, dia 18 de maio, tomam de assalto a principal rede de TV da Líbia, fecham o parlamento e anunciam que combaterão até o fim os fundamentalistas islâmicos vinculados à rede terrorista Al Qaeda e a Irmandade Muçulmana, que inclusive, tinha maioria no parlamento. Ele foi apoiado por um coronel de nome Mokhtar Fernana. Suas bases mais fortes são na capital Trípoli e na segunda maior cidade Benghazi. Ainda nesta semana o ministro do Interior do governo anunciou seu apoio à Khalifah e diversas outras autoridades.

O general Khalifah anuncia a sua operação e lhe dá o nome de Karama (Dignidade em árabe). Diz que lutará contra a islamização do país, defenderá a laicidade e se coloca contrário que sejam aplicadas as leis da Sharia, regras do direito islâmico.

As eleições gerais no país estavam marcadas para agosto e a comissão eleitoral nacional anunciou nesta semana a antecipação para 25 de junho. Não sabemos se em consonância com o novo líder líbio.

As informações ainda são esparsas e não temos ainda condições de formar uma opinião. Em especial porque estamos acostumados a tecer análises com base na realidade de nosso país, que tem partidos estruturados e sabemos bem a diferença entre esquerda e direita.

O que fica claro é que na Líbia hoje temos dois grandes blocos. Um, da Irmandade e de sunitas fundamentalistas, muito vinculados ao terrorismo que usam o Islã como sua arma principal e outro bloco os que defendem a laicidade do Estado líbio.

A ideologia do primeiro bloco é amplamente conhecida. Vimos sua ação na Síria que resultou na destruição de grande parte da infraestrutura do país e a morte de mais de cem mil pessoas. Mesmo no Egito, esse agrupamento praticou atos terroristas e massacrou o povo. Quem não é muçulmano tem que pagar caro por isso. É a volta à Idade Média.

O que não está claro é como pensam os que integram o segundo bloco sob a liderança do general Khalifah. Muitas perguntas não estão respondidas, em especial se ele tem apoio dos Estado Unidos ou manterá a independência do país, que vive sob cerco das tropas da OTAN.

A história do general Khalifah


Khalifah tem hoje 65 anos. Era cadete do exército quando, em 1969, os coronéis liderados por Khadaffi derrubaram o rei Idris e implantaram a República. Ele apoiou esse movimento e se aproximou do novo líder do país. Chegou a ser chefe da guarda militar pessoal do presidente Khadaffi.

Entre 1978 e 1987, lutou clandestinamente no vizinho Chade, mas sob ordens de Khadaffi. Ao final, foi derrotado e ele e mais 300 soldados foram feitos prisioneiros. Khadaffi viveu uma imensa contradição. Ele não poderia reconhecer que tinha soldados lutando no país vizinho. Assim, optou por negar tudo e disse sequer conhecer o então tenente-coronel Khalifah. O atual general sofreu muito nas cadeias do Chade, tempo que aumentou seu ódio pelo líder líbio. Prometeu vingança. Chegou a fazer acordos com o governo do Chade, foi libertado sob a condição de formar uma milícia, que chamou de Exército Nacional Líbio.

Morou exilado nos Estados Unidos, no Estado da Virgínia, exatamente na cidade de Langley, onde fica o Quartel General da CIA. Há fortes suspeitas de que foi treinado por essa organização de espionagem, pois os EUA queriam, há muito, tirar Khadaffi do poder. No entanto, nos últimos anos da vida de Khadaffi ele acabou fazendo acordos com os EUA e a União Europeia, chegando a indenizar as famílias vítimas do atentado do Boeing da Lokerbee que caiu na Inglaterra e matou quase 500 pessoas. Aplicou a política neoliberal, negando praticamente o seu passado.

O general Khalifah retornou à Benghazi já no levante insuflado pela Europa e EUA, com apoio da OTAN, que visava derrotar Khadaffi. Isso foi no primeiro semestre de 2011. Chegou com a sua milícia e para organizar os rebeldes pela derrubada do presidente.

De lá para cá foi promovido à patente de general e lidera tropas. Muitos o consideram um militar muito preparado, profissional e com muita experiência em batalhas. O braço político de sua organização militar que ele lidera chama-se Frente de Salvação Nacional. Ele expressa profunda divergência com os fundamentalistas da Irmandade Muçulmana, apoiada pelos EUA e pelos terroristas da Al Qaeda. Refere-se a eles como “grupos extremistas” e “flagelo terrorista”.

Nos últimos dias passou a ter o apoio do chefe do Estado Maior da Força Aerea, coronel Joma Al Abani. Diversos ministros do atual governo, de maioria conservadora, sunita e vinculado à Irmandade.

Perspectivas para a Líbia


Não se pode prever o desfecho dos acontecimentos. O que sabemos ao certo é que a Líbia é na verdade um agrupamento de grandes tribos espalhadas pelas várias regiões. O general é apoiado pelas maiores e mesmo a da família de Khadaffi. Não temos notícias ainda da extensão do seu apoio tanto na população, quanto na estrutura do Estado líbio, praticamente destruída com apoio da OTAN, como fizeram no Iraque e tentam fazer agora na Síria. Se não podem derrubar o líder, destroem o país por completo.

Aqui, mesmo sem saber em detalhes a ideologia do general, seu plano de salvação nacional da Líbia, quero arriscar alguns palpites.

Como disse acima, temos dois grandes blocos no país, ainda sem uma nítida divisão e clareza ideológica. No entanto, do lado defendido pelo general está a laicidade do Estado, dos valores seculares e contra a islamização do país. Não sabemos as suas concepções de democracia. No entanto, o outro campo é fundamentalista. É apoiado pela Irmandade e pelo grupo terrorista Al Qaeda que tantos males e ataques vem causando em vários países do mundo.

O campo do fundamentalismo defende a volta à Idade Média, a um Islã do século VII, da época do profeta Maomé. Defende a implantação de um estado islâmico. O sistema judicial que propõem baseia-se na Sharia, conjunto de normas islâmicas do direito que tem como base única e exclusivamente o Alcorão. Defendem a imposição do véu para todas as mulheres. Mas mais do que isso, defendem imensas restrições aos direitos das mulheres, como na Arábia Saudita e outros lugares que dominam.

Até por isso, podemos ter opinião inicial de que é preciso, de fato, combater o terrorismo e o extremismo. É claro que não devemos seguir a linha do “inimigo de meu inimigo é sempre meu amigo”. A vida vai mostrar, em breve, talvez em dias, a que veio esse general.

Parte da imprensa internacional que pude ler chegam a aponta-lo como uma espécie de general Sisi, que é o comandante do exército egípcio e forte candidato nas eleições deste final de semana e deve vencê-las. Vamos ver. Breve saberemos. 

VENEZUELA

Venezuela e as manipulações da mídia

http://aporrea.org/
Por Salim Lamrani, no site Opera Mundi:

Apesar de a violência mortífera que ataca o país desde fevereiro de 2014 ser resultado de ações da oposição, os meios de comunicação ocidentais insistem em acusar o governo democrático de Nicolás Maduro.

Desde 1998, a oposição venezuelana tem rejeitado os resultados das eleições democráticas, com uma exceção: reconheceu a legitimidade de sua vitória no referendo constitucional de 2 de dezembro de 2007, o qual ganhou com uma margem inferior a 1%. Assim, a direita se opôs resoluta aos governos de Hugo Chávez de 1999 a 2013 e ao de Nicolás Maduro desde abril de 2013. Utilizou todos os métodos para derrubá-los: golpe de Estado, assassinatos políticos, sabotagem petroleira, guerra econômica, convocações a revoltas e campanhas midiáticas de desprestígio.

Desde fevereiro de 2014, a Venezuela é vítima de uma violência mortífera que custou a vida de mais de 40 pessoas, entre elas 5 membros da guarda nacional e um promotor da República. Mais de 600 pessoas ficaram feridas, entre elas 150 policiais, e os danos materiais superam os 10 bilhões de dólares: ônibus queimados, estações de metrô saqueadas, uma universidade —a UNEFA — completamente destroçada pelas chamas, dezenas de toneladas de produtos alimentícios destinados aos supermercados públicos reduzidos a cinzas, edifícios públicos e sedes ministeriais saqueados, instalações elétricas sabotadas, centros médicos devastados, instituições eleitorais destruídas etc. [1].

Frente a essa tentativa de desestabilização destinada a provocar uma ruptura da ordem constitucional, as autoridades venezuelanas deram uma resposta enérgica e começaram a prender vários líderes da oposição que fizeram apelos à insurreição ou promoveram atos de vandalismo, e quase mil pessoas envolvidas com a violência [2]. Como todo Estado de Direito e no estrito respeito às garantias constitucionais, a Justiça venezuelana julgou os acusados e lhes aplicou as sanções previstas no Código Penal para atos semelhantes [3].

Os meios de comunicação ocidentais denunciam atentados contra os direitos humanos. Ao mesmo tempo, omitem cuidadosamente os assassinatos que os manifestantes cometeram, as apreensões, por parte da polícia, de armas e explosivos entre esses grupos apresentados como pacíficos e as destruições de propriedades públicas e privadas [4].

De fato, a indignação midiática tem dois pesos e duas medidas e não se aplica de modo universal. Efetivamente, a imprensa observa um surpreendente silêncio quando os países ocidentais tomam medidas muito mais draconianas por distúrbios muito menos graves que os que atacam a Venezuela.

O caso da França é revelador. No dia 27de outubro de 2005, estouraram revoltas urbanas nos bairros populares de Paris e das grandes cidades do país, depois da morte acidental de dois adolescentes perseguidos pela polícia. A importância da violência - que não causou nenhum morte - era menor que a que atingiu a Venezuela nas últimas semanas.

Entretanto, a partir de 8 de novembro de 2005, o presidente Jacques Chirac decidiu declarar o estado de exceção em todo o país e instaurar um toque de recolher mediante o decreto 2005-1386, durante vários meses, aplicando assim a lei de 3 de abril de 1955 adotada durante... a guerra da Argélia. Essa lei, que não era utilizada desde 1961, suspende as garantias constitucionais e atenta gravemente contra as liberdade públicas já que permite “proibir o trânsito de pessoas”, “instituir zonas de proteção ou de segurança onde se regulamenta a permanência de pessoas” e declara “prisão domiciliar em uma circunscrição territorial para toda pessoa que resida na zona determinada pelo decreto” [5].

Da mesma maneira, “o ministro do Interior, para todo o território onde está instaurado o estado de exceção, e o prefeito da província, podem ordenar o fechamento provisório de salas de espetáculos, bares, restaurantes e locais de reunião de todo tipo nas zonas determinadas pelo decreto previsto no artigo 2. Podem também proibir, a título geral ou particular, as reuniões cuja natureza possa provocar ou alimentar a desordem.” [6].

A lei de 3 de abril de 1955 confere “às autoridades administrativas apontadas no artigo 8 o poder de ordenar registros de domicílio dia e noite” e habilita “as mesmas autoridades a tomarem todas as medidas para assegurar o controle da imprensa, das publicações de toda índole, assim como dos programas de rádio, das projeções cinematográficas e das representações teatrais” [7].

Essa lei dá o poder à Justiça Militar de substituir a Justiça Civil. Assim, “pode autorizar a jurisdição militar a se encarregar de crimes, assim como dos delitos que lhe são conexos, que competem [normalmente] ao tribunal regional”, em detrimento da jurisdição de direito comum [8].

Para justificar semelhantes medidas que contrariam a Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), Paris evocou o artigo 15 da CEDH que autoriza “em caso de guerra ou de perigo público que ameace a vida da nação”, suspender as obrigações às quais a França tinha se comprometido [9].

Em nenhum momento a Venezuela - atacada por uma violência mais severa que a de 2005 na França - instaurou o estado de exceção, nem suspendeu as garantias constitucionais, nem atentou contra as liberdades públicas, nem impôs a Justiça Militar em detrimento da Justiça Civil.

Um exemplo mais recente é também ilustrativo. Depois dos distúrbios que aconteceram na cidade de Amiens, no dia 14 de agosto de 2012 que causaram danos materiais (uma escola e vários edifícios públicos incendiados) e feriram 17 policiais, a Justiça francesa sancionou severamente os autores desses delitos. Seis pessoas foram condenadas a penas de um a cinco anos de prisão [10]. O tribunal de menores de Amiens, inclusive, condenou cinco adolescentes de 14 a 17 anos a penas de até 30 meses de prisão [11].

Seria fácil multiplicar os exemplos. Quando a polícia de Nova York prendeu arbitrariamente mais de 700 manifestantes pacíficos, os quais foram vítimas de brutalidades por parte das forças da ordem, os meios de comunicação não acusaram o governo de Barack Obama de violar os direitos humanos [12].

Da mesma maneira, quando a polícia brasileira reprimiu violentamente os manifestantes pacíficos em São Paulo e prendeu 262 pessoas em um único dia, agredindo ao mesmo tempo vários jornalistas, os meios de comunicação, com razão, não colocaram em julgamento a legitimidade democrática da presidenta Dilma Rousseff [13].

Os meios de comunicação ocidentais são incapazes de mostrar imparcialidade quando se trata de abordar a complexa realidade venezuelana. A imprensa se nega a cumprir seu dever, que consiste em difundir todos os fatos e zomba do Código de Ética Jornalística. Prefere defender uma agenda política bem precisa, a qual vai contra os princípios elementares da democracia e da vontade do povo venezuelano expressada múltiplas vezes nas urnas.

Notas:

1. Agencia Venezolana de Noticias, "Violencia derechista en Venezuela destruye 12 centros de atención médica y electoral", 27 de março de 2014.
2. Salim Lamrani, "Se a oposição venezuelana fosse francesa... ", Opera Mundi, 11 de abril de 2014. (site consultado no dia 20 de maio de 2014).
3. EFE, "Lilian Tintori expone el caso de Leopoldo López ante autoridades españolas”, 18 de maio de 2014.
4. Paulo A. Paranagua, « Leopoldo Lopez, prisonnier politique numéro un du président vénézuélien Maduro », Le Monde, 22 de abril de 2014. (site consultado no dia 20 de maio de 2014).
5. Loi n°55-385 du 3 avril 1955 relatif à l’état d’urgence. (site consultado no dia 20 de maio de 2014).
6. Ibid.
7. Ibid.
8. Ibid.
9. Convention européenne des droits de l’homme, article 15. (site consultado no dia 20 de maio de 2014). 

10. Le Monde, « Emeutes d’Amiens : jusqu’à cinq ans de prison ferme pour les violences », 16 de maio de 2014. (site consultado no dia 20 de maio de 2014). 

11. Le Monde, « Emeutes d’Amiens : jusqu’à 2 ans de prison ferme des mineurs », 13 de mayo de 2014. (site consultado no dia 20 de maio de 2014). 

12. Sandro Pozzi, "La policía detiene a 700 indignados por ocupar el puente de Brooklyn", El País, 2 de outubro de 2011. 

13. María Martin, "Ativistas denunciam brutalidade policial durante o ato contra a Copa de São Paulo”, El País, 14 de febrero de 2014. (site consultado el 20 de mayo de 2014).

EQUADOR


"A América Latina não vai mais aceitar o neocolonialismo", diz Correa


O presidente do Equador, Rafael Correa, disse nesta quinta-feira (22) que a política exterior do governo dos Estados Unidos “é terrível, sobretudo em relação à América Latina” e possui como característica fundamental uma “falsa moral intolerável”.


Wikicommons
Para o presidente do Equador, Rafael Correa, a política exterior do governo dos Estados Unidos “é terrível, sobretudo em relação à América Latina”.Para o presidente do Equador, Rafael Correa, a política exterior do governo dos Estados Unidos “é terrível, sobretudo em relação à América Latina”.
Em uma entrevista ao Russia Today, o mandatário equatoriano reafirmou que tem muita estima pelo povo norte-americano: “Admiro-os como nação, como cultura, o pragmatismo, a simplicidade, mas também temos que denunciar os seus erros”.

Correa afirmou que “a política estrangeira norte-americana é terrível, sobretudo no que diz respeito à América Latina”. Como vem fazendo há algum tempo, criticou o fato de a sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ser em Washington e lembrou que os Estados Unidos não ratificaram o Pacto de San José que rege o organismo. “A CIDH é financiada por Washington, que paga para controlar o resto das nações do continente desde o ponto de vista jurídico”, afirmou o presidente do Equador.

Leia também:
Correa: "CIDH persegue governos progressistas da América Latina"
Chanceleres da Unasul debaterão criação do Banco do Sul e CIDH
Correa apresentará proposta de reforma do SIDH na cúpula da Alba

Para Correa, a Comissão “se tornou um instrumento de perseguição contra os governos progressistas”. Ele enfatizou ainda que “os problemas estão aí e se nós não resolvermos, nossos países continuarão sendo colônias” e completou dizendo que “na América Latina do século 21, não vamos aceitar mais o neocolonialismo”.

Na semana passada, durante a posse do presidente costarriquenho, Luis Guillermo Solís, Correa qualificou a situação da CIDH como “uma das clamorosas contradições e um dos mais graves resquícios do neocolonialismo em Nossa América e que muitos não se atrevem a dizê-lo claramente”.

O governo de Equador entrou recentemente em conflito com a CIDH após rejeitar as medidas de proteção que a entidade concedeu a três opositores equatorianos.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O SÉCULO EURASIANO

Nasce o século eurasiano

Rússia e China fazem o Oleogasodutostão
Pepe Escobar, Tom Dispatch 


HONG KONG – Um espectro ronda Washington, visão enervante, enlouquecedora, de uma aliança sino-russa, casada numa simbiose de comércio e trocas em expansão que cresce e se alastra pela massa continental de territórios da Eurásia – e à custa dos EUA.

Não surpreende que Washington esteja ansiosa. Em vários sentidos, aquela aliança já é negócio fechado: através do grupo das potências emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); na Organização de Cooperação de Xangai, o contrapeso asiático à OTAN; dentro do G-20;[1] e mediante o Movimento dos Países Não Alinhados [orig. Non-Aligned Movement, NAM].[2] Comércio e trocas são só uma parte da barganha futura. As sinergias no desenvolvimento de novas tecnologias militares, idem. Depois que estiver implantado o ultrassofisticado sistema russo de defesa antimísseis, padrão Star Wars, S-500[3], em 2018, não há dúvidas de que Pequim também quererá uma versão para ela. Entrementes, a Rússia está a um passo de vender dúzias de jatos de combate estado-da-arte Sukhoi Su-35[4] aos chineses, com Pequim e Moscou andando a passos largos para selar uma parceria no campo da indústria da aviação.

Essa semana deve fazer ver os primeiros grandes fogos de artifício na celebração de um novo século eurasiano que vai nascendo, quando o presidente Vladimir Putin encontrar o presidente da China Xi Jinping, em Pequim. 

Vocês lembram bem do Oleogasodutostão[5] – toda aquela malha de oleodutos e gasodutos que cruzam a Eurásia e são, de fato, o verdadeiro sistema circulatório pelo qual caminha e do qual se alimenta a própria vida naquela região. Agora, o negócio-mãe-de-todos-os-negócios do Oleogasodutostão, no valor de 1 trilhão de dólares e em preparação há uma década, será afinal posto em papel e tinta e assinado. Por esse negócio, a gigante russa de energia, Gazprom, controlada pelo estado, se comprometerá a fornecer[6] à CNPC [China National Petroleum Corporation], estatal chinesa, 3,75 bilhões de pés cúbicos de gás natural liquefeito por dia, por período não inferior a 30 anos, que se iniciará em 2018. É o equivalente a ¼ do total do gás que a Rússia exporta para toda a Europa. A demanda diária de gás na China está hoje em torno de 16 bilhões de pés cúbicos por dia; e as importações respondem por 31,6% do consumo total.

A Gazprom pode até continuar a recolher o grosso de seus lucros da Europa, mas a Ásia será seu Everest. A empresa usará essa mega-negócio para dar novo fôlego aos investimentos no Leste da Sibéria,[7] e toda a região será reconfigurada como fonte privilegiada de gás também para o Japão e a Coreia do Sul. Se você quiser entender por que nenhum país chave na Ásia deu ou dará qualquer sinal de querer “isolar”[8] a Rússia em plena crise ucraniana – e em aberto desafio ao que ordene o governo Obama – basta examinar o que se passa hoje no Oleogasodutostão.

Sai o petrodólar. Entra o gás-o-yuan

E é quando, por falar de ansiedade em Washington, há também a considerar o triste destino que espera o petrodólar, ou, em vez dele, a possibilidade ‘termonuclear’ de que Moscou e Pequim contratem o pagamento do negócio Gazprom-CNPC, não em petrodólares, mas em yuans chineses. Difícil imaginar tumulto tectônico maior que esse, com o Oleogasodutostão em intersecção-somatória com uma crescente parceria de energia sino-russa. E com ela, cresce também a possibilidade futura de forte impulso, comandado também por China e Rússia, em direção a uma nova moeda internacional de reserva – de fato, uma cesta de moedas – que deslocaria o dólar (pelo menos, nos sonhos otimistas dos países BRICS[9]).

Imediatamente depois dessa cúpula sino-russa que tem potencial para mudanças cataclísmicas, começará, em julho, a reunião de cúpula dos BRICS, no Brasil. É quando, afinal, um banco de desenvolvimento dos BRICS, com capital de $100 bilhões,[10] anunciado em 2012, nascerá oficialmente, como alternativa possível ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, como fonte de financiamento de projetos para o mundo em desenvolvimento.

Mais cooperação entre os BRICS, com vistas a ‘atropelar’ o dólar, aparece também no ‘gás-o-yuan’[11] – gás natural comprado e pago em moeda chinesa. A Gazprom já considera, inclusive, lançar papéis especiais em yuan, como parte do planejamento para financiar a expansão da empresa. Bônus com lastro em yuan já estão sendo comercializados em Hong Kong, Singapore, Londres e, recentemente, começaram a ser comercializados também em Frankfurt.[12] 

Nada pode ser mais sensível para o novo Oleogasodutostão, que os contratos serem assinados em moeda chinesa. Pequim pagará à Gazprom russa nessa moeda (que pode ser convertida em rublos); a Gazprom acumulará yuan; e a Rússia, então poderá comprar montanhas de bens e serviços made-in-China, em yuan conversíveis em rublos.

Todos sabem que os bancos em Hong Kong, do Standard Chartered ao HSBC – além de outros intimamente ligados à China por cadeias negociais – já vêm diversificando seus portfólios na direção do yuan, o que implica que o yuan pode tornar-se uma das moedas globais de reserva de facto, antes, até, de que seja totalmente conversível. (Extraoficialmente, Pequim já está trabalhando na direção de um yuan totalmente conversível, já para 2018.)

O negócio Rússia-China de gás é inextrincavelmente ligado ao relacionamento de energia entre a União Europeia (UE) e a Rússia. Afinal, o grosso do PIB da Rússia vem de vendas de petróleo e gás, motivo pela qual a Rússia tanto se empenha em manter o mais perfeito equilíbrio na gestão da questão ucraniana. Por sua vez, a Alemanha depende da Rússia para suprir gordos 30% de suas carências de gás natural. Mas imperativos geopolíticos de Washington – temperados com histeria polonesa – empurraram Bruxelas a encontrar meios para ‘castigar’ Moscou na futura esfera de energia (sem gerar riscos para os relacionamentos de energia hoje vigentes).

Há boatos insistentes em Bruxelas nos últimos dias sobre o possível cancelamento[13] do Ramo Sul [orig. gasoduto South Stream], projeto de 16 bilhões de euros, cuja construção deve começar em junho. Depois de pronto, bombeará mais gás natural russo para a Europa – nesse caso, pelo subsolo do Mar Negro (contornando a Ucrânia), para Bulgária, Hungria, Eslovênia, Sérvia, Croácia, Grécia, Itália e Áustria.

Bulgária, Hungria e República Checa já deixaram claro que se opõem firmemente a qualquer cancelamento. É não é provável que se cogite de cancelar coisa alguma. Afinal, a única alternativa é o gás do Mar Cáspio, do Azerbaijão, e dificilmente acontecerá, a menos que a União Europeia consiga, repentinamente, mobilizar vontade política e muito dinheiro para, afinal, e contra todas as expectativas, organizar-se e construir o fabuloso oleoduto Baku-Tblisi-Ceyhan (BTC), concebido nos anos Clintons, para deixar na poeira a Rússia e o Irã.

Seja como for, em nenhum caso o Azerbaijão teria capacidade necessária para suprir os níveis necessários de gás natural, e outros atores, como o Cazaquistão, assolado por problemas de infraestrutura, ou o pouco confiável Turcomenistão, que prefere vender seu gás à China, já estão em boa parte fora do enquadramento. E não esqueçam que o Ramo Sul, combinado com projetos subsidiários de energia, criarão muitos, muitos empregos e investimentos, em muitos dos mais economicamente devastados países da União Europeia.

Mesmo assim, essas ameaças da União Europeia, embora pouco realistas ou completamente irrealistas, só servem para acelerar a simbiose crescente entre a Rússia e os mercados asiáticos. Para  Pequim especialmente, é situação de ganha-ganha. Afinal, entre energia fornecida através de mares policiados e controlados pela Marinha dos EUA, e rotas seguras, estáveis e sobretudo terrestres a partir da Sibéria, não é difícil preferir a Sibéria.

Escolha aí a sua própria Rota da (sua própria) Seda

Claro que o dólar norte-americano permanece como principal moeda global de reserva, envolvendo 33% do total das trocas em moeda estrangeira no final de 2013, segundo o FMI. Mas em 2000, eram 55%. Ninguém conhece a porcentagem em yuan (e Pequim não abre a boca), mas o IMF observa que reservas “em outras moedas” em mercados emergentes chegaram a 400%, desde 2003.

O Fed parece estar monetizando[14] 70% da dívida do governo dos EUA, numa tentativa de impedir que as taxas de juros tomem o rumo da estratosfera. Jim Rickards, conselheiro do Pentágono – e de todos os banqueiros que operam em Hong Kong – tende  a acreditar que o Fed está quebrado (mas eles nada dizem aos jornalistas sobre o tema). Ninguém se atreve sequer a imaginar a extensão de um possível dilúvio que o dólar dos EUA pode vir a sofrer, sob um Monte Ararat de $1,4 trilhão de derivativos financeiros. Que ninguém suponha que seria a morte do capitalismo ocidental; seria só um tropeço do neoliberalismo, essa fé econômica reinante, e ainda a ideologia oficial dos EUA, da maioria da União Europeia e de partes da Ásia e da América do Sul.

No que tenha a ver com o “neoliberalismo autoritário” (como talvez se possa dizer) do Império do Meio, qual o problema do qual reclamar hoje? A China provou que há alternativa orientada para resultados ao modelo capitalista ocidental “democrático”, para nações que visem a ser bem-sucedidas.  Trata-se de construir não uma, mas miríades de novas Rotas da Seda,[15] redes massivas de vias de alta velocidade, rodovias, oleodutos, gasodutos, portos e redes de fibra ótica por toda aquela abundância vastíssima de terras que é a Eurásia. Aí se inclui uma estrada do Sudoeste da Ásia, uma estrada da Ásia Central, uma “via marítima” pelo Oceano Índico e, até, uma ferrovia de alta velocidade que atravesse o Irã e a Turquia e chegue diretamente à Alemanha.

Em abril, quando o presidente Xi Jinping visitou a cidade de Duisburg no Rio Reno, onde há o maior porto de atracação do mundo, da indústria de aço alemã, fez ali uma proposta das mais ousadas: uma nova “Rota da Seda econômica” que se deveria construir entre a China e a Europa, sobre o eixo da ferrovia Chongqing-Xinjiang-Europa, que vai da China ao Cazaquistão, atravessa Rússia, Bielorrússia, Polônia e, finalmente, a Alemanha. São 15 dias de viagem por trem, 20 dias a menos que os cargueiros consomem viajando pelo litoral leste da China. E, sim, seria o terremoto geopolítico total, em termos de integrar o crescimento econômico por toda a Eurásia.

Tenham em mente que, se nenhuma bolha eclodir, a China deve passar a ser – e ficar nessa posição – a maior potência econômica global... de volta à posição que foi dela durante 18 dos últimos 20 séculos. Mas não contem aos hagiógrafos em Londres;[16] eles vivem da fé de que a hegemonia dos EUA é eterna, inabalável, que durará, digamos assim, para todo o sempre.

Leve-me para a Guerra Fria 2.0

Apesar de recentes graves lutas financeiras, os países BRICS seguem trabalhando conscientemente para converter-se numa contraforça em oposição ao [novamente] G7 – depois que de lá expulsaram a Rússia,[17] em março. Anseiam por criar uma nova arquitetura global para substituir a que foi imposta logo depois da 2ª Guerra Mundial, e veem-se, eles mesmos, como desafio possível ao mundo excepcionalista e unipolar que Washington imagina para nosso futuro (com ela própria no papel de robocop global, e a OTAN como seu braço-robocop-policial armado). O historiador e líder de hooliganismo imperialista, Ian Morris, em seu livro War! What is it Good For?[Guerra! Que utilidade tem a guerra?], define os EUA como o “globocop” radical e “derradeira esperança da Terra”.  Se esse globocop “desperdiçar sua missão”, escreve ele, “não há plano B”.     

Ora... Há, sim, um plano BRICS – ou, pelo menos, os países BRICS gostam de pensar que haja. E quando os BRICS agem nesse espírito, no cenário global, eles rapidamente mobilizam e conjuram contra sim uma estranha mistura de medo, histeria e fúria, noestablishment de Washington. 

Tomem, por exemplo, Cristopher Hill. O ex-secretário de Estado assistente para o Leste da Ásia e embaixador dos EUA no Iraque é agora conselheiro do Grupo Albright Stonebridge – empresa de consultoria com conexões profundas com a Casa Branca e o Departamento de Estado. Quando a Rússia andava por baixo, Hill gostava de delirar sobre uma “nova ordem mundial” norte-americana hegemônica. Agora que os russos, esses mal-agradecidos, estragaram tudo[18] que “o Ocidente ofereceu” – quer dizer, “status especial com a OTAN; relacionamento privilegiado com a União Europeia; e parceria em missões diplomáticas internacionais” – os russos estão, diz ele, trabalhando para fazer reviver o império soviético! Tradução: se você não é nosso vassalo, você está contra nós. Bem-vindos à Guerra Fria 2.0.   

O Pentágono tem sua própria versão disso, dirigida nem tanto à Rússia, mas, mais, contra a China, a qual, dizem os think-tanks especialistas em guerras futuras, já está, em vários sentidos, em guerra contra Washington.[19] Assim sendo, se não é Apocalipse-hoje, é Armageddon-amanhã. E nem é preciso dizer que, com tanta coisa dando errado, enquanto o governo Obama ‘pivoteia-se’ acintosa e publicamente para a Ásia, e a imprensa-empresa nos EUA faz a parte[20] de reviver uma política da era da Guerra Fria, de “contenção” no Pacífico, tudo é, sempre, culpa da China.

Embutidos no enlouquecimento geral da Guerra Fria 2.0, há alguns estranhíssimos fatos em campo: o governo dos EUA, com dívida interna de $17,5 trilhões e aumentando, contempla um confronto financeiro com a Rússia, o maior produtor global de energia e grande potência nuclear, assim como também está promovendo um ‘cerco’ militar economicamente insustentável contra seu próprio principal credor, a China.

A Rússia conta com considerável superávit comercial. Bancos chineses gigantescos não terão problema algum em ajudar bancos russos, se os fundos ocidentais secarem. Em termos de cooperação inter-BRICS, poucos projetos batem um oleoduto de $30 bilhões, em planejamento, que se estenderá[21] da Rússia à Índia, pelo noroeste da China. Empresas chinesas discutem empenhadamente a possibilidade de participarem na criação de um corredor de transporte[22] da Rússia para a Crimeia, além de um aeroporto, um estaleiro e um terminal de gás natural líquido. E há outro gambito ‘termonuclear’ em preparação: o nascimento de uma organização equivalente à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (orig. Organization of the Petroleum Exporting Countries OPEC), que incluirá Rússia, Irã, e, ao que se noticia,[23] também o Qatar, super insatisfeito aliado dos EUA.

Os planos de longo prazo (não declarados) dos BRICS envolvem a criação de um sistema econômico alternativo que incluirá uma cesta de moedas com lastro em outro, que deixaria de lado o atual sistema financeiro global EUA-cêntrico. (Não surpreende que Rússia e China estejam acumulando a maior quantidade possível de ouro.) O euro – moeda sólida apoiada em grandes mercados de papéis com liquidez e sólidas reservas de ouro – será também bem-vindo.

Não é segredo em Hong Kong que o Banco da China está usando uma rede paralela SWIFT para conduzir todo o tipo de negócio ou troca comercial com Teerã, apesar do pesado sistema de sanções comandado pelos EUA. Com Washington manobrando Visa e Mastercard como armas[24] numa campanha econômica de estilo mais Guerra Fria a cada dia, contra a Rússia, Moscou está a um passo de implementar sistema alternativo de pagamento e cartões de crédito, não controlado pela finança ocidental. Via ainda mais fácil seria adotar o sistema Union Pay chinês,[25] cujas operações já ultrapassaram, em volume global, o sistema American Express.   

Estou só a pivotear-me, eu comigo mesmo... 

Não há ‘pivotagem’ do governo Obama para a Ásia, para conter a China (e ameaçá-la com o controle pela Marinha dos EUA[26] de todas as rotas marítimas de energia para aquele país) que consiga empurrar Pequim para longe de sua estratégia autodescrita de “desenvolvimento pacífico”[27] inspirada em Deng Xiaoping, e que visa a converter a China em usina global de comércio e negócios. Nem futuros deslocamentos de soldados dos EUA ou da OTAN para o leste da Europa, ou outros movimentos[28] Guerra-Friistas[29] como esses conseguirão impedir Moscou de empreender sua ação de equilibramento: assegurar que a esfera de influência da Rússia na Ucrânia permanecerá forte, sem comprometer os negócios e o comércio, nem, tampouco, os laços políticos com a União Europeia – e, sobretudo, com sua parceira estratégica, a Alemanha. Esse é o Santo Graal de Moscou; uma zona de livre comércio[30] de Lisboa a Vladivostok, sonho o qual (não por acaso) é em tudo equivalente ao sonho chinês de uma nova Rota da Seda até a Alemanha.

Cada vez mais desconfiada contra Washington, Berlin, por sua vez, detesta a noção de a Europa ser apanhada nas vascas de uma Guerra Fria 2.0. Os líderes alemães têm peixe maior para fritar, inclusive tentar estabilizar a oscilante União Europeia, que se vê presa nos meandros de um colapso econômico nos países do sul e do centro, vendo avançar os partidos da direita mais extremistas.

Do outro lado do Atlântico, o presidente Obama e seus principais assessores e funcionários mostram todos os indícios de que se vão enredando nas próprias pivotagens e pivoteamento – para o Irã, para a China, para as fronteiras leste da Rússia e (fora do radar[31]) também para a África. A ironia de todas essas manobras, antes de tudo, militares, é que de fato só fazem ajudar Moscou, Teerã e Pequim a construir sua própria profundidade estratégica na  Eurásia e em outros pontos – como já se vê acontecer na Síria, ou, crucialmente, em mais e mais novos negócios de energia.[32] Estão também ajudando a cimentar[33] a crescente parceria estratégica entre China e Irã. A narrativa do incansável Ministério da Verdade de Washington sobre todos esses desenvolvimentos ignora atentamente o fato de que, sem Moscou, o ‘ocidente’ jamais teria sentado para discutir um acordo nuclear com o Irã, nem teria conseguido o desarmamento químico de Damasco. 

Quando as disputas entre China e seus vizinhos no Mar do Sul da China e entre aquele país e o Japão pelas ilhas Senkaku/Diaoyou encontrarem a crise ucraniana, a conclusão inevitável será que ambas, Rússia e China, consideram suas fronteiras e rotas marítimas como propriedade privada e não admitirão desaforos sem revidar – ainda que o desaforo venha sob formato de expansão da OTAN, do cerco militar pelos EUA, ou de escudos de mísseis. Nem Pequim nem Moscou se curvarão à forma usual de expansão imperialista, apesar da versão dos eventos que vem sendo servida à opinião pública ocidental. As respectivas ‘linhas vermelhas’ são e permanecerão essencialmente defensivas, não importa o trabalho que, vez ou outra, seja necessário para mantê-las protegidas e seguras.

Seja o que for que Washington deseje, tema ou tente impedir que aconteça, os fatos em campo sugerem que, nos próximos anos, Pequim, Moscou e Teerã só farão aproximar-se cada vez mais, lenta mais firmemente construindo um novo eixo geopolítico na Eurásia. Entrementes, EUA desnorteados-metendo-pés-pelas-mãos parecem estar ajudando a acelerar a desconstrução de sua própria ordem unipolar, ao mesmo tempo em que oferecem aos BRICS uma genuína janela de oportunidade para tentar mudar as regras do jogo. 

Rússia e China em modo “Pivô” 

Na think-tank-elândia de Washington, a convicção de que o governo Obama deve focar-se em reencenar a Guerra Fria mediante uma nova versão de política de contenção para “limitar o desenvolvimento da Rússia como potência hegemônica” tomou conta de todas as cabeças. A receita: armas até os ossos os vizinhos, dos estados do Báltico ao Azerbaijão, para “conter” a Rússia. Guerra Fria 2.0 na veia, porque, do ponto de vista das elites de Washington, a Guerra Fria, de fato, nunca acabou.

Mas, por mais que os EUA combatam contra a emergência de um mundo multipolar, de várias potências, fatos econômicos em campo apontam sempre, regularmente, nessa direção. A questão é sempre a mesma: o declínio do hegemon será lento e razoavelmente digno e decente, ou todo o mundo será arrastado para o buraco, na opção que tem sido chamada de “opção Sansão”?

Enquanto se assiste ao espetáculo que se desdobra, sem fim de jogo à vista, convém manter em mente que uma nova força está crescendo na Eurásia, com a aliança estratégica sino-russa ameaçando dominar o coração do mundo e grandes porções das áreas continentais. Ora, do ponto de vista de Washington, é pesadelo de proporções Mackinderescas.[34]  Pense, por exemplo, em como Zbigniew Brzezinski, o ex-conselheiro de segurança nacional, que se tornou mentor de política global do presidente Obama, veria a coisa.

Em seu livro de 1997, O Grande Tabuleiro de Xadrez, Brzezinski argumentava que “a luta pelo primado global continuará a ser disputada” no “tabuleiro” eurasiano, do qual “a Ucrânia era um pivô geopolítico”. “Se Moscou reconquistar o controle sobre a Ucrânia”, escreveu ele naquele momento, a Rússia “automaticamente reobterá os meios para tornar-se poderoso estado imperial, que se estenderá sobre Europa e Ásia.” 

É o argumento básico que há por trás da política imperial de contensão, pelos EUA – da “Rússia próxima”, europeia, ao Mar do Sul da China. Assim sendo, e sem fim de jogo à vista, fiquem de olho no pivoteamento da Rússia em direção à Ásia; da China, por todo o planeta; e no duro trabalho dos BRICS, tentando fazer serviço de parteiros do Novo Século Eurasiano. *****

[5] 1/6/2013, Pepe Escobar, “Oleogasodutostão e a(s) Nova(s) Rota(s) da Seda”, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/06/pepe-escobar-oleogasodutostao-e-as.html
[8] 25/3/2014, Pepe Escobar: “A Ásia não ‘isolará’ a Rússia”, Asia Times Online, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/pepe-escobar-asia-nao-isolara-russia.html  
[9] O presidente Hugo Chávez muito falou dessa petromoeda. Mas é absolutamente IMPOSSÍVEL encontrar hoje, pelo buscador Google-Brasil, as falas do presidente Chávez! Há uma censura total, na imprensa-empresa comercial brasileira ‘livre’ [só rindo]. Depois de muita procura, encontramos, para citar aqui, o que se lê em http://www.estadao.com.br/noticias/economia,chavez-quer-brasil-na-opep-e-criacao-da-petro-moeda,347790,0.htm; é matéria de 2009, e nada tem de ‘fato’: só tem, mesmo, de opinionismo tosco golpista do Estadão


AQUI FICA, ENTÃO, como NOSSA HOMENAGEM AO PRESIDENTE HUGO CHÁVEZ.

“Chávez insiste que a aproximação com os países árabes deve incluir a criação de uma nova moeda internacional e até num Banco Petroleiro Internacional, o que evitaria que os governos que contam com recursos tenham de colocar suas reservas em investimentos e fundos nos países ricos. "Temos de pensar nisso", disse. "Já basta do domínio do dólar no mundo", disse Chávez. Ele lembrou que a China e a Rússia irão sugerir a criação de uma moeda de reserva durante o encontro do G-20. [NTs]
[13] 8/5/2014, Pepe Escobar: “FMI vai à guerra na Ucrânia”, RT, trad. em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/05/pepe-escobar-fmi-vai-guerra-na-ucrania.html  
[29] 29/4/2014, Pepe Escobar: “Estratégia” de Obama contra Rússia “pária”, Asia Times Online, trad. em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/04/pepe-escobar-estrategia-de-obama-contra.html

terça-feira, 20 de maio de 2014

JOSÉ MARTÍ - NOSSA PÁTRIA É A HUMANIDADE .


Cuba homenageia José Martí, inspirador da luta pela Nossa América


“Nós, cubanos, aprendemos com José Martí que nossa pátria é a humanidade”, disse Fidel Castro quando discursava em uma conferência internacional em 2003. Nesta segunda-feira (19), o mundo completou 119 anos sem Martí. Considerado herói nacional de Cuba, ele é um dos exemplos de que as ideias não morrem quando são justas: sua principal herança é a luta pela Nossa América que inspirou grandes líderes latino-americanos.

Por Théa Rodrigues, da redação do Portal Vermelho


Reprodução
Martí morreu em combate no dia 19 de maio de 1895Martí morreu em combate no dia 19 de maio de 1895
Pelo compromisso com sua obra e pela admiração ao herói nacional, nesta segunda-feira (19) os cubanos renderam um tributo a José Martí no mausoléu que guarda seus restos mortais. Fidel Castro e seu irmão, o presidente Raúl Castro, enviaram coroas de flores que foram depositadas como homenagem no túmulo de Martí, no cemitério de Santa Ifigênia.

Martí morreu em combate no dia 19 de maio de 1895, no vilarejo de Dois Rios. No comando de um contingente de patriotas cubanos, após um encontro inesperado com tropas espanholas, José Martí foi atingido. Seu corpo, mutilado pelos soldados espanhóis, foi exibido à população e posteriormente sepultado na cidade de Santiago de Cuba, em 27 de maio do mesmo ano.

domingo, 11 de maio de 2014

A EUROPA E OS QUATRO CAVALEIROS

A Europa e os quatro cavaleiros

Mauro Santayana 

Desde tempos imemoriais, a Europa foi marcada pela guerra e pela crença de que seus limites eram os limites do mundo.

Ainda antes de Cristo, dezenas de conflitos mancharam de sangue suas montanhas e vales, mares e rios, praias e ilhas do Mediterrâneo.

Às invasões dóricas, seguiram-se as guerras entre romanos e etruscos; as que opunham cidades-estado gregas, como Esparta e Argos; as guerras persas e as sicilianas; as do Peloponeso; as invasões Celtas e as Púnicas.

No primeiro milênio, entre muitas outras, tivemos as Guerras Ibéricas; a conquista romana da Bretanha; as Guerras Góticas; as guerras civis romanas; a Reconquista; as invasões húngaras; persas contra iberos; os Rus contra Bizâncio.

O segundo milênio começou com a guerra germano-polonesa de 1002; seguida das expedições genovesas à Sardenha; da conquista normanda da Inglaterra, e depois, da Irlanda; e outras disputas, como a Rebelião Saxônica; a Guerra de Independência da Escócia; a guerra dos otomanos contra os sérvios; a Rebelião dos Münster; a Guerra Anglo-Espanhola; as guerras de sucessão; as Guerras Napoleônicas, etc.

Em extensão, duração, e intensidade, nenhuma se comparou, no entanto, à Primeira Guerra Mundial, com 16 milhões de mortos e 20 milhões de feridos, ao longo dos quatro anos de conflito; e à Segunda Guerra Mundial, com 85 milhões de mortos, em todo o mundo, se incluirmos os que pereceram pelo genocídio, as fomes e as doenças.

A Segunda Guerra Mundial foi tão desastrosa para a Europa, que, mesmo dividida, entre a OTAN e o Pacto de Varsóvia, países como a França e a Alemanha fizeram grande esforço, a partir da Comunidade do Carvão e do Aço, para forjar a Comunidade Econômica Européia e a União Européia, com a esperança de que, ao menos entre eles, as duas maiores nações e rivais do oeste da Europa, não houvesse novos conflitos.

O problema é que, tendo começado como aliança voltada para a preservação da paz, a Comunidade Européia, por meio da OTAN, passou a agir como preposta dos interesses norte-americanos. E, mais tarde, como linha auxiliar dos EUA, em regiões nas quais os europeus já se sentiam nostálgicos de seu antigo poder colonial, como o Oriente Médio e o Norte da África, em países como o Iraque, o Afeganistão e a Líbia.

Nos Balcãs, desmembrou-se a Iugoslávia, mas a intervenção militar posterior não estava voltada contra uma nação determinada, e sim para jogar, uns contra os outros, os pedaços desmembrados do país de Tito.

Ao meter-se na Ucrânia, junto com os EUA, para destruir o país, e promover uma guerra civil, depois de um golpe de Estado, a UE abandonou, definitivamente, os ideais que lhe deram origem. E voltou a abrir as portas do velho continente aos Quatro Cavaleiros do Apocalipse, que tantas vezes já o percorreram no passado.

sábado, 10 de maio de 2014

NAZI-FASCISTAS NO COMANDO EM KIEV

O ocidente e a cronologia da violência ucraniana

Mauro Santayana 

Com o controle da informação do que sai a propósito da Ucrânia nas mãos dos Estados Unidos e da União Europeia, muitos dados sobre a escalada da violência, naquele país, têm sido olimpicamente ignorados, ou intencionalmente ocultados, pela mídia “ocidental”.

Elas representam apenas a ponta do iceberg do que está ocorrendo, em uma situação que lembra as vésperas do Golpe Militar no Chile, e na Argentina, e os dias sombrios que a eles se seguiram:

No dia 22 de fevereiro, em Lvov, Rostilav Vasilko, primeiro-secretário do comitê local do partido comunista da Ucrânia - na legalidade - foi falsamente acusado de ter atirado nos manifestantes da Praça Maidan. Barbaramente torturado por homens encapuzados que ameaçaram matar toda a sua família – hoje se sabe que os tiros partiram de atiradores da própria direita – conseguiu atravessar a fronteira e hoje está na Rússia, recebendo assistência médica.

No dia 23 de fevereiro, foi sequestrado Alexander Pataman, chefe da Milícia Popular Antifascista de Zaporiyla, que continua desaparecido.

No dia 24, 6 membros do Tribunal Constitucional da Ucrânia foram ameaçados e proibidos de continuar trabalhando.

No dia 5 de março, André Purgin, militante antifascista de Donetsk, foi sequestrado. No dia 28 de fevereiro, havia vazado uma conversa do governador provisório - indicado pelos golpistas – da região de Dniepropetrovsk, na qual afirmava que era preciso “dizer sim a todas as exigências, a todas as garantias e promessas apresentadas por esses “sacos de m........” - referindo-se à oposição ao novo governo - mais tarde, vamos pegar um por um, e enforcar..”.

No dia 6 de março, Pavel Gubarev, também da oposição, foi aprisionado em Donetsk.

Alexander Karitonov, líder local da região de Lughansk, foi detido pela polícia política do novo governo no dia 14 de março.

No dia 17, foi preso e levado para uma das piores prisões de Kiev, Anton Davidchenko, dirigente do partido Alternativa Popular.

No mesmo dia 17, neonazistas de um recém-formado “Tribunal do Povo” de Vinnytsia, invadiu o Hospital Pediátrico da região e exigiu, sob a mira de armas, a renúncia da médica Tatyana Antonets, diretora da instituição.

No dia 17, depois de receber várias ameaças por telefone e correspondência, Antyom Timochenko morreu assassinado, tendo sido encontrado queimado dentro de seu carro.

No dia 20 de março, neonazistas do Pravy Sektor cercaram um ônibus e agrediram estudantes húngaros que participavam de excursão escolar, em viagem pedagógica à Transcarpatia, e já estavam retornando ao seu país.

No dia 21, em outro atentado, foi incendiada, com coquetéis Molotov, a casa de Victor Medvechuk, que só não morreu porque já tinha abandonado o local e tentava colocar sua família em segurança.

Como o “ocidente” simplesmente se omitiu, chegamos ao que chegamos, com as mortes que estão ocorrendo agora, depois do massacre da Casa dos Sindicatos em Odessa.

Entre as vítimas, um ponto em comum: todas, como qualquer cidadão ucraniano que tenha mais de 30 anos, nasceram na época em que a Ucrânia era parte da União Soviética e foram atacadas covardemente, quando estavam desarmadas, em minoria, ou na calada da noite.

Quando os neonazistas do Pravy Sektor ucraniano derrubaram a estátua de Lênin, em Kiev, em fevereiro deste ano, uma octogenária de mais de 80 anos, cujo marido deve ter combatido nas Forças da União Soviética, na Segunda Guerra Mundial, enfrentou, dignamente, a multidão coalhada de bandeiras fascistas, para depositar uma coroa de flores em frente à estátua caída do líder da Revolução de Outubro.     

Cercada por brutamontes, ela foi covardemente agredida, pisada, chutada (foto) inclusive no rosto, sem que ninguém interviesse, até ficar desacordada.

Os mesmos fascistas que hoje perseguem os judeus e ciganos nos territórios controlados pelo governo golpista de Kiev, deixaram que a Criméia fosse russificada sem disparar um único tiro, e não são homens para enfrentar os cidadãos de língua russa que estão tomando, a peito aberto, o controle de dezenas de cidades, no oeste da Ucrânia.

Os nazistas também gostavam de espancar e mutilar velhinhos e crianças indefesas, a pauladas, coronhadas e pontapés, como fizeram nos pogroms da Noite dos Cristais, em 9 de novembro de 1938.

Pouco tempo depois, sua coragem se esvaía em fezes, à vista dos soldados do Exército Vermelho, na tomada de Berlim.