Alba Sud
Adital
Por Rodrigo F. Miranda
Alba Sud
Tradução: ADITAL
Em sua curta história, os resultados das receitas neoliberais são inequívocas. Quando os Estados delegam o presente e futuro das sociedades, nações e territórios, as consequências sociais derivadas são desastrosas.

Manifestación en Barcelona. Foto de Veristica (con licencia creative commons)
Na Europa ocidental, durante a Idade Moderna, nasceu uma doutrina que promovia as liberdades civis e sobre a qual se fundamentaram o Estado de direito e a democracia representativa. No século XVII, John Locke, "pai do liberalismo”, descrevia a divisão de poderes, afirmava que a soberania emana do povo e que direitos como a vida, a liberdade, a felicidade ou a propriedade são naturais das pessoas e anteriores à constituição da sociedade.
O liberalismo se centra no individualismo, ao considerar ao sujeito, sua liberdade e seu direito à propriedade privada acima de questões de ordem coletiva. Em sintonia com os valores da modernidade, o liberalismo se apresenta como "filosofia do progresso” e propugna uma libertação total das potencialidades das pessoas. Como doutrina política[1], o liberalismo encarna a filosofia do capitalismo por antonomásia.
No econômico, tem relação direta com a economia de mercado, e propõe que o afã de lucro individual é socialmente útil, pelo que se faz necessário evitar qualquer trava que possa impedir alguém de enriquecer sem limites. Adam Smith, principal, expoente do liberalismo econômico, argumentou que a liberdade máxima dos que desejam enriquecer supõe a harmonia social, além de alcançar uma excelente produção a menor custo. Smith teorizou que a economia está regida por leis naturais imutáveis que possuem mecanismos próprios de autorregulação. A chave do bem estar social está no crescimento econômico, que se alcança através da livre concorrência e da divisão do trabalho (Smith, 1776). Como contribuição à ficção econômica, este autor idealizou uma "mão invisível” que corrigiria as contradições e desequilíbrios dos mercados.
O neoliberalismo, gestado durante a Guerra Fria, teve uma forte expansão a partir das crises de 73. Dois dos autores que contribuíram para dar forma às receitas neoliberais foram Milton Friedman e Friedrich Hayek(2). A partir desses e de outros acadêmicos, os patrocinadores dessa doutrina, em pouco tempo, foram criando inúmeros institutos de investigação e formação, organizações e fundações, publicações ou especializações com o objetivo de difundir essas ideias; inseri-las no âmbito acadêmico e construir o maior consenso e aceitação social possíveis.
Próximo aos valores da pós-modernidade, o neoliberalismo está relacionado, desde seu nascimento, com correntes políticas neoconservadoras(3), que propõem a necessidade de eliminar a tutela social do Estado e os mecanismos para a redistribuição da renda. Da mesma forma, essas correntes ‘neocons’promoviam a autorregulação, a privatização de bens e serviços públicos, a "flexibilização” do mercado de trabalho ou a delimitação dos âmbitos de decisão coletiva em nome da liberdade individual, entre outros.
Além da redistribuição, para essa doutrina também a solidariedade e a justiça social são assuntos dos quais o mercado deveria se ocupar. Friedman afirmou que a fiscalidade progressiva(4) é "um atentado contra os direitos humanos”, e seu filho David(5) que os impostos são agressões à propriedade privada e uma forma de "expropriação” realizada pelo Estado. Por seu lado, Hayek considerava ao "espelhismo da justiça social” um sem sentido, algo pernicioso e injusto que mina a justiça das destinações produzidas através do mercado, confiscando a riqueza dos "que têm mais êxito” e prolongando a dependência dos "necessitados”.
A diferença de outras correntes, apesar de seu marcado caráter ideológico, o neoliberalismo se apresentou desde o início como verdade científica e com status de lei. Uma espécie de "pós-ideologia”, "o fim da história” (Fukuyama, 1992), não só a melhor, como a única alternativa possível no tempo e no espaço em que se implementa (McMurtry, 1998).
Tanto Estado como queria o mercado
Na aplicação do modelo neoliberal, o papel atribuído ao Estado tem uma marcada dualidade enquanto que, por um lado, é sistematicamente insultado e reduzido; por outro, é um ator político fundamental.
Para justificar a implementação de um programa neoliberal em qualquer país, a crítica ao sistema político e econômico precedente se centra no Estado. A acusação de ineficiência, intervencionismo ou corrupção abre a porta a um processo de míngua do protagonismo político, funções específicas e orçamento do Estado, o que facilita uma forte concentração de riqueza e poder do setor público para o privado concentrado(6).
Significa que o Estado no esquema neoliberal passa a ser um ator de reparto? Em nenhum caso. Em primeiro lugar, amparado no sistema representativo, o Estado deve dar legitimação social e formalização político-institucional ao modelo. Por um lado, sob o paradigma das "reformas imprescindíveis” e a prioridade de pagar uma dívida externa cada vez mais custosa e ilegítima(7), o poder executivo põe em marcha políticas públicas e "ajustes estruturais” e o legislativo estabelece novas regras de jogo que permitam criar um marco propício para que a plena posta em prática do modelo não encontre obstáculos.
Por outro lado, o poder executivo e as maiorias parlamentares são também quem assumem como porta vozes para a defesa do modelo; e, por ende, são também essas instituições quem carregam com o consequente custo político de seus impactos sociais.
Além disso, o Estado é também quem exerce o poder de polícia, tomando a seu cargo a violência e a repressão frente a resistências e protestos sociais que multiplicam-se, organizam-se e radicalizam-se, justa e necessariamente, como consequência dos impactos das medidas neoliberais.
Hayek acunhou o neologismo "catalaxia” para descrever "a ordem que surge pelo ajuste recíproco de muitas economias individuais em um mercado”. Segundo esse autor, a obrigação da autoridade política é prover dentro do "império da lei” as condições necessárias para que a catalaxia possa acontecer(8): uma democracia justa e livre somente pode ser assegurada através da catalaxia.
Esse Estado, minimizado e que opera seu próprio desmantelamento(9) é imprescindível para que o neoliberalismo se implante e aponte. Esse Estado, submetido e julgado com as mesmas regras que o setor privado lucrativo(10), em última instância, outorga institucionalidade e pinta de democrático um golpe dos mercados aos órgãos constitucionais do poder soberano das nações.
Da linguagem aos fatos
Em sua curta história, os resultados das receitas neoliberais são inequívocas. Quando os Estados delegam na deidade do mercado o presente e futuro das sociedades, nações e territórios, as consequências sociais derivadas disso deixam poucas dúvidas.
Após décadas de deixar a função distributiva em mãos do mercado, na América Latina, o neoliberalismo deixou atrás de si, entre outros impactos, enormes estruturas de desigualdade, piores condições de vida e o empobrecimento generalizado de uma parte significativa das populações. Apesar dos avanços produzidos em países da região durante a década pós neoliberal enquanto a redução da pobreza (Cepal, 2010), distribuição de riqueza e desenvolvimento humano (Pnud, 2010)(11), em 2010, a América Latina continuava tendo o maior nível de desigualdade do planeta (Pnud, 2010).
A partir de 2008, o mesmo modelo começou a ser aplicado no sul da Europa(12): o nível de deterioro social de países como a Espanha, Portugal ou Grécia está sendo rápido e profundo e à medida em que se aprofunda nesse tipo de programas, as perspectivas são ainda piores. No centro, o aumento sensível da pobreza, a exclusão social e as desigualdades: em 2011, a Espanha alcançou uma taxa de pobreza de 25%(13) e em 2012, ocupou a primeira posição em desigualdade social da União Europeia (EU)(14), seguida pela Grécia e por Portugal.
Como em tantos outros, nesse caso na política a linguagem dominante e os fatos se tornam irreconciliáveis. Apesar de sua nominação, na prática, nos fatos, a ideia de liberdade subjacente nas receitas neoliberais busca fortalecer um velho sistema que permita às corporações empresariais continuar acumulando riqueza e poder. Nas antípodas dos postulados liberais de Locke, no neoliberalismo do povo não emana a autoridade do Estado, nem nele reside a soberania(15). Mesmo assim, o chamam neo-liberalismo.
O "Estado mínimo” abandona suas responsabilidades sociais e econômicas, se abstrai de colocar limites a um capitalismo selvagem que tende a mediatizar e mercantilizar tudo. Além disso, pretende legitimar um modelo que cerceia os direitos sociais e no qual o único ator com autoridade, liberdade e soberania é o mercado. Ainda assim, o Estado garantia de que isso aconteça, é chamado Estado de direito.
Com esse mesmo Estado que deixa a "tutela social” e passa a ser um ator tutelado pelo mercado, o neoliberalismo converte aos sistemas representativos em um totalitarismo mercantil, submete as instituições políticas e impõe uma "ditadura de mercado”. Mesmo assim, o chamam democracia.
Notas (no original, em espanhol):
[1] Como doctrina política e ideológica, el liberalismo se puede articular en los siguientes tres ejes (Antón, 2011):naturalismo hedonista que establece que la felicidad consiste en poseer, acumular y disfrutar de bienes materiales, por lo que las personas están dotadas de un "instinto de apropiación natural” y el interés individual se configura como motor de la sociedad; racionalismo como medio para conseguir una actuación útil y eficaz respecto a los fines propuestos; individualismo libertario, el individuo como principio y fin del mensaje liberal.
[2] Friedman fue profesor en la Universidad de Chicago y Premio Nobel de Economía en 1976. Hayek fue miembro destacado de la Escuela Austríaca y Premio Nobel de Economía en 1974.
[3] Conocidos como necons, es un movimiento político nacido en los años 60 en Estados Unidos, Tatcher y Reagan han sido sus principales exponentes que implementaron políticas neoliberales en EEUU e Inglaterra.
[4] La propuesta de fiscalidad progresiva fue realizada por John M. Keynes.
[5] David Friedman, hijo de Milton Friedman, es el principal teórico del anarcocapitalismo, que postula la conveniencia de una "sociedad libre sin poder público”. En sus tesis anarcocapitalistas plantea que el libre mercado puede ser suficiente para satisfacer las necesidades humanas; lo que se podría poner en marcha a través de la privatización de los servicios que presta el Estado. Este planteamiento llega a la privatización hasta de la propia ley y el orden. Esta doctrina propone la abolición del Estado y la supremacía de la libertad individual, la propiedad privada y el libre mercado; y se plantea que el derecho a la propiedad privada es el único derecho que puede viabilizar materialmente el derecho individual.
[6] Es el Estado el actor que materializa la transferencia de recursos, privatizando servicios públicos y priorizando las deudas al capital financiero, cada vez más costosas e ilegítimas, que se llevan una parte creciente del presupuesto público, a costa de sanidad, educación, política social, I+D+i, cultura, etc.
[7] Como referencia, durante los primeros años de neoliberalismo en América Latina, entre 1975 y 1983 el conjunto de la región cuadruplicó su deuda externa. En 2002, en Argentina, la deuda externa llegó a significar el 150% del PIB (CEPAL, 2008). En 2009, tras seis años de cambio de modelo económico y político, la deuda rondaba el 15% (World Factbook, 2009).
[8] Por lo que las únicas funciones del Estado son el mantenimiento de la seguridad colectiva contra agresiones externas, la preservación del imperio de la ley y del orden público y la provisión de un número limitado de bienes y servicios públicos que no pueden ser eficientemente suministrados por el mercado.
[9] En la medida que coacciona la propiedad privada, distorsiona el libre mercado, monopoliza la producción de bienes y servicios "de derecho” que la empresa privada podría prestar más eficientemente.
[10] Ciñéndose a las lógicas del superávit, la rentabilidad y el beneficio económico. Obviando cualquier consideración social, salvo cuestiones asistenciales, que se deja en manos del mercado y su autorregulación.
[11] Según el PNUD, en 2010 América Latina se acercaba a niveles de esperanza de vida y escolaridad Estados Unidos y Europa.
[12] Para más información, ver: La deuda y la espada: neoliberalismo en América Latina y el sur de Europa (Fernández Miranda, 2013, en Alba Sud) y Más lujos, más penurias: la desigualdad como norma (Fernández Miranda, 2013, en Alba Sud).
[13] Para más información, ver: Democracia tutelada y reapropiación de la política (Fernández Miranda, 2013, en Alba Sud).
[14] También en 2012 España fue por primera vez el país con mayor distancia entre rentas altas y bajas.
[15] Para más información, ver: Globalización neoliberal y democracia (Estévez Araujo, 2011, en Alba Sud).
Bibliografía citada:
Antón, J. (2011). El liberalismo. En M. Caminal Badia, Manual de Ciencia Política.Tecnos.
Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). 2010. Panorama Social de América Latina. CEPAL Naciones Unidas.
Fukuyama, F. (1992). El fin de la historia y el último hombre. Editorial Planeta.
McMurtry, J. (1998). Unequal freedom: the global market as an ethical system. Toronto: Garamont Press.
Programa de Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD). 2010. Primer informe regional sobre Desarrollo Humano para América Latina y el Caribe 2010. Actuar sobre el futuro: romper la transmisión intergeneracional de la desigualdad. PNUD Naciones Unidas.
Programa de Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD). 2010. Informe de Desarrollo Humano 2010. La verdadera riqueza de las naciones: caminos al desarrollo humano. PNUD Naciones Unidas.
Smith, A. (1776). La riqueza de las naciones. Biblioteca de economía.
Alba Sud
Tradução: ADITAL
Em sua curta história, os resultados das receitas neoliberais são inequívocas. Quando os Estados delegam o presente e futuro das sociedades, nações e territórios, as consequências sociais derivadas são desastrosas.

Manifestación en Barcelona. Foto de Veristica (con licencia creative commons)
"É nossa função glorificar-nos na desigualdade e velar para que aos talentos
e às habilidades seja dada uma saída e expressão para o benefício de todos nós”.
(Márgaret Tatcher).
Liberalismo e neoliberalismoe às habilidades seja dada uma saída e expressão para o benefício de todos nós”.
(Márgaret Tatcher).
Na Europa ocidental, durante a Idade Moderna, nasceu uma doutrina que promovia as liberdades civis e sobre a qual se fundamentaram o Estado de direito e a democracia representativa. No século XVII, John Locke, "pai do liberalismo”, descrevia a divisão de poderes, afirmava que a soberania emana do povo e que direitos como a vida, a liberdade, a felicidade ou a propriedade são naturais das pessoas e anteriores à constituição da sociedade.
O liberalismo se centra no individualismo, ao considerar ao sujeito, sua liberdade e seu direito à propriedade privada acima de questões de ordem coletiva. Em sintonia com os valores da modernidade, o liberalismo se apresenta como "filosofia do progresso” e propugna uma libertação total das potencialidades das pessoas. Como doutrina política[1], o liberalismo encarna a filosofia do capitalismo por antonomásia.
No econômico, tem relação direta com a economia de mercado, e propõe que o afã de lucro individual é socialmente útil, pelo que se faz necessário evitar qualquer trava que possa impedir alguém de enriquecer sem limites. Adam Smith, principal, expoente do liberalismo econômico, argumentou que a liberdade máxima dos que desejam enriquecer supõe a harmonia social, além de alcançar uma excelente produção a menor custo. Smith teorizou que a economia está regida por leis naturais imutáveis que possuem mecanismos próprios de autorregulação. A chave do bem estar social está no crescimento econômico, que se alcança através da livre concorrência e da divisão do trabalho (Smith, 1776). Como contribuição à ficção econômica, este autor idealizou uma "mão invisível” que corrigiria as contradições e desequilíbrios dos mercados.
O neoliberalismo, gestado durante a Guerra Fria, teve uma forte expansão a partir das crises de 73. Dois dos autores que contribuíram para dar forma às receitas neoliberais foram Milton Friedman e Friedrich Hayek(2). A partir desses e de outros acadêmicos, os patrocinadores dessa doutrina, em pouco tempo, foram criando inúmeros institutos de investigação e formação, organizações e fundações, publicações ou especializações com o objetivo de difundir essas ideias; inseri-las no âmbito acadêmico e construir o maior consenso e aceitação social possíveis.
Próximo aos valores da pós-modernidade, o neoliberalismo está relacionado, desde seu nascimento, com correntes políticas neoconservadoras(3), que propõem a necessidade de eliminar a tutela social do Estado e os mecanismos para a redistribuição da renda. Da mesma forma, essas correntes ‘neocons’promoviam a autorregulação, a privatização de bens e serviços públicos, a "flexibilização” do mercado de trabalho ou a delimitação dos âmbitos de decisão coletiva em nome da liberdade individual, entre outros.
Além da redistribuição, para essa doutrina também a solidariedade e a justiça social são assuntos dos quais o mercado deveria se ocupar. Friedman afirmou que a fiscalidade progressiva(4) é "um atentado contra os direitos humanos”, e seu filho David(5) que os impostos são agressões à propriedade privada e uma forma de "expropriação” realizada pelo Estado. Por seu lado, Hayek considerava ao "espelhismo da justiça social” um sem sentido, algo pernicioso e injusto que mina a justiça das destinações produzidas através do mercado, confiscando a riqueza dos "que têm mais êxito” e prolongando a dependência dos "necessitados”.
A diferença de outras correntes, apesar de seu marcado caráter ideológico, o neoliberalismo se apresentou desde o início como verdade científica e com status de lei. Uma espécie de "pós-ideologia”, "o fim da história” (Fukuyama, 1992), não só a melhor, como a única alternativa possível no tempo e no espaço em que se implementa (McMurtry, 1998).
Tanto Estado como queria o mercado
Na aplicação do modelo neoliberal, o papel atribuído ao Estado tem uma marcada dualidade enquanto que, por um lado, é sistematicamente insultado e reduzido; por outro, é um ator político fundamental.
Para justificar a implementação de um programa neoliberal em qualquer país, a crítica ao sistema político e econômico precedente se centra no Estado. A acusação de ineficiência, intervencionismo ou corrupção abre a porta a um processo de míngua do protagonismo político, funções específicas e orçamento do Estado, o que facilita uma forte concentração de riqueza e poder do setor público para o privado concentrado(6).
Significa que o Estado no esquema neoliberal passa a ser um ator de reparto? Em nenhum caso. Em primeiro lugar, amparado no sistema representativo, o Estado deve dar legitimação social e formalização político-institucional ao modelo. Por um lado, sob o paradigma das "reformas imprescindíveis” e a prioridade de pagar uma dívida externa cada vez mais custosa e ilegítima(7), o poder executivo põe em marcha políticas públicas e "ajustes estruturais” e o legislativo estabelece novas regras de jogo que permitam criar um marco propício para que a plena posta em prática do modelo não encontre obstáculos.
Por outro lado, o poder executivo e as maiorias parlamentares são também quem assumem como porta vozes para a defesa do modelo; e, por ende, são também essas instituições quem carregam com o consequente custo político de seus impactos sociais.
Além disso, o Estado é também quem exerce o poder de polícia, tomando a seu cargo a violência e a repressão frente a resistências e protestos sociais que multiplicam-se, organizam-se e radicalizam-se, justa e necessariamente, como consequência dos impactos das medidas neoliberais.
Hayek acunhou o neologismo "catalaxia” para descrever "a ordem que surge pelo ajuste recíproco de muitas economias individuais em um mercado”. Segundo esse autor, a obrigação da autoridade política é prover dentro do "império da lei” as condições necessárias para que a catalaxia possa acontecer(8): uma democracia justa e livre somente pode ser assegurada através da catalaxia.
Esse Estado, minimizado e que opera seu próprio desmantelamento(9) é imprescindível para que o neoliberalismo se implante e aponte. Esse Estado, submetido e julgado com as mesmas regras que o setor privado lucrativo(10), em última instância, outorga institucionalidade e pinta de democrático um golpe dos mercados aos órgãos constitucionais do poder soberano das nações.
Da linguagem aos fatos
Em sua curta história, os resultados das receitas neoliberais são inequívocas. Quando os Estados delegam na deidade do mercado o presente e futuro das sociedades, nações e territórios, as consequências sociais derivadas disso deixam poucas dúvidas.
Após décadas de deixar a função distributiva em mãos do mercado, na América Latina, o neoliberalismo deixou atrás de si, entre outros impactos, enormes estruturas de desigualdade, piores condições de vida e o empobrecimento generalizado de uma parte significativa das populações. Apesar dos avanços produzidos em países da região durante a década pós neoliberal enquanto a redução da pobreza (Cepal, 2010), distribuição de riqueza e desenvolvimento humano (Pnud, 2010)(11), em 2010, a América Latina continuava tendo o maior nível de desigualdade do planeta (Pnud, 2010).
A partir de 2008, o mesmo modelo começou a ser aplicado no sul da Europa(12): o nível de deterioro social de países como a Espanha, Portugal ou Grécia está sendo rápido e profundo e à medida em que se aprofunda nesse tipo de programas, as perspectivas são ainda piores. No centro, o aumento sensível da pobreza, a exclusão social e as desigualdades: em 2011, a Espanha alcançou uma taxa de pobreza de 25%(13) e em 2012, ocupou a primeira posição em desigualdade social da União Europeia (EU)(14), seguida pela Grécia e por Portugal.
Como em tantos outros, nesse caso na política a linguagem dominante e os fatos se tornam irreconciliáveis. Apesar de sua nominação, na prática, nos fatos, a ideia de liberdade subjacente nas receitas neoliberais busca fortalecer um velho sistema que permita às corporações empresariais continuar acumulando riqueza e poder. Nas antípodas dos postulados liberais de Locke, no neoliberalismo do povo não emana a autoridade do Estado, nem nele reside a soberania(15). Mesmo assim, o chamam neo-liberalismo.
O "Estado mínimo” abandona suas responsabilidades sociais e econômicas, se abstrai de colocar limites a um capitalismo selvagem que tende a mediatizar e mercantilizar tudo. Além disso, pretende legitimar um modelo que cerceia os direitos sociais e no qual o único ator com autoridade, liberdade e soberania é o mercado. Ainda assim, o Estado garantia de que isso aconteça, é chamado Estado de direito.
Com esse mesmo Estado que deixa a "tutela social” e passa a ser um ator tutelado pelo mercado, o neoliberalismo converte aos sistemas representativos em um totalitarismo mercantil, submete as instituições políticas e impõe uma "ditadura de mercado”. Mesmo assim, o chamam democracia.
Notas (no original, em espanhol):
[1] Como doctrina política e ideológica, el liberalismo se puede articular en los siguientes tres ejes (Antón, 2011):naturalismo hedonista que establece que la felicidad consiste en poseer, acumular y disfrutar de bienes materiales, por lo que las personas están dotadas de un "instinto de apropiación natural” y el interés individual se configura como motor de la sociedad; racionalismo como medio para conseguir una actuación útil y eficaz respecto a los fines propuestos; individualismo libertario, el individuo como principio y fin del mensaje liberal.
[2] Friedman fue profesor en la Universidad de Chicago y Premio Nobel de Economía en 1976. Hayek fue miembro destacado de la Escuela Austríaca y Premio Nobel de Economía en 1974.
[3] Conocidos como necons, es un movimiento político nacido en los años 60 en Estados Unidos, Tatcher y Reagan han sido sus principales exponentes que implementaron políticas neoliberales en EEUU e Inglaterra.
[4] La propuesta de fiscalidad progresiva fue realizada por John M. Keynes.
[5] David Friedman, hijo de Milton Friedman, es el principal teórico del anarcocapitalismo, que postula la conveniencia de una "sociedad libre sin poder público”. En sus tesis anarcocapitalistas plantea que el libre mercado puede ser suficiente para satisfacer las necesidades humanas; lo que se podría poner en marcha a través de la privatización de los servicios que presta el Estado. Este planteamiento llega a la privatización hasta de la propia ley y el orden. Esta doctrina propone la abolición del Estado y la supremacía de la libertad individual, la propiedad privada y el libre mercado; y se plantea que el derecho a la propiedad privada es el único derecho que puede viabilizar materialmente el derecho individual.
[6] Es el Estado el actor que materializa la transferencia de recursos, privatizando servicios públicos y priorizando las deudas al capital financiero, cada vez más costosas e ilegítimas, que se llevan una parte creciente del presupuesto público, a costa de sanidad, educación, política social, I+D+i, cultura, etc.
[7] Como referencia, durante los primeros años de neoliberalismo en América Latina, entre 1975 y 1983 el conjunto de la región cuadruplicó su deuda externa. En 2002, en Argentina, la deuda externa llegó a significar el 150% del PIB (CEPAL, 2008). En 2009, tras seis años de cambio de modelo económico y político, la deuda rondaba el 15% (World Factbook, 2009).
[8] Por lo que las únicas funciones del Estado son el mantenimiento de la seguridad colectiva contra agresiones externas, la preservación del imperio de la ley y del orden público y la provisión de un número limitado de bienes y servicios públicos que no pueden ser eficientemente suministrados por el mercado.
[9] En la medida que coacciona la propiedad privada, distorsiona el libre mercado, monopoliza la producción de bienes y servicios "de derecho” que la empresa privada podría prestar más eficientemente.
[10] Ciñéndose a las lógicas del superávit, la rentabilidad y el beneficio económico. Obviando cualquier consideración social, salvo cuestiones asistenciales, que se deja en manos del mercado y su autorregulación.
[11] Según el PNUD, en 2010 América Latina se acercaba a niveles de esperanza de vida y escolaridad Estados Unidos y Europa.
[12] Para más información, ver: La deuda y la espada: neoliberalismo en América Latina y el sur de Europa (Fernández Miranda, 2013, en Alba Sud) y Más lujos, más penurias: la desigualdad como norma (Fernández Miranda, 2013, en Alba Sud).
[13] Para más información, ver: Democracia tutelada y reapropiación de la política (Fernández Miranda, 2013, en Alba Sud).
[14] También en 2012 España fue por primera vez el país con mayor distancia entre rentas altas y bajas.
[15] Para más información, ver: Globalización neoliberal y democracia (Estévez Araujo, 2011, en Alba Sud).
Bibliografía citada:
Antón, J. (2011). El liberalismo. En M. Caminal Badia, Manual de Ciencia Política.Tecnos.
Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). 2010. Panorama Social de América Latina. CEPAL Naciones Unidas.
Fukuyama, F. (1992). El fin de la historia y el último hombre. Editorial Planeta.
McMurtry, J. (1998). Unequal freedom: the global market as an ethical system. Toronto: Garamont Press.
Programa de Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD). 2010. Primer informe regional sobre Desarrollo Humano para América Latina y el Caribe 2010. Actuar sobre el futuro: romper la transmisión intergeneracional de la desigualdad. PNUD Naciones Unidas.
Programa de Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD). 2010. Informe de Desarrollo Humano 2010. La verdadera riqueza de las naciones: caminos al desarrollo humano. PNUD Naciones Unidas.
Smith, A. (1776). La riqueza de las naciones. Biblioteca de economía.