Salim Lamrani: ‘Cuba é um antídoto contra a resignação dos povos’

Mouâd Salhi
Adital
Salim Lamrani sobre su último libro Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013
Tradução: ADITAL

1. Os meios informativos apresentam a Cuba como um país liberticida, com um sistema político e econômico arcaico. Como o senhor analisa isso?
Salim Lamrani (SL): Os meios informativos apresentam uma imagem caricaturesca de Cuba e de seus dirigentes. Um abismo separa os clichês primários sobre este país da realidade complexa da ilha.
Esse é o objeto de meu último livro intitulado ‘Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité’ (Cuba. Os meios frente ao desafio da imparcialidade). Os grandes meios, que pertencem a importantes conglomerados econômicos e financeiros, cujo objetivo é preservar a ordem política, econômica e social estabelecida, são incapazes de neutralidade ou de objetividade para com Cuba, um país que coloca em xeque a ideologia dominante, que rechaça a acumulação a favor da repartição; que elege a solidariedade em vez do egoísmo; que preconiza o coletivo em detrimento do individual e que situa ao ser humano no centro de seu projeto de sociedade e não os interesses do poder do dinheiro.
Então, é natural que os defensores da ordem estabelecida ataquem a Cuba da forma mais feroz, a estigmatizem, a vilipendiem e a caluniem e, ao mesmo tempo, proíbem todo debate crítico ou toda pluralidade de ideias. A censura é sumamente severa no Ocidente cada vez que se trata de apresentar um ponto de vista alternativo sobre a Revolução Cubana, que entraria em contradição com o pensamento único. O dogmatismo mais absurdo substitui os argumentos. É muito fácil ilustrar até que ponto a imagem de Cuba veiculada pelos meios é falsa, e espero ter demonstrado isso em meu livro.
Se vilipendia tanto a Cuba porque esse país, apesar de suas dificuldades, de suas contradições, de seus erros e de suas vicissitudes, tem valor de exemplo. É a prova de que uma sociedade alternativa baseada na repartição, na solidariedade, no altruísmo, na cultura, na educação, na saúde é possível e viável.
Cuba é um antídoto contra a resignação dos povos. No entanto, dispõe de recursos naturais sumamente limitados e é vítima de sanções econômicas muito severas por parte dos Estados Unidos há meio século. Apesar disso, a Revolução Cubana é a ilustração perfeita de que a humanidade não está condenada à humilhação e afirma firmemente que a plebe, os oprimidos, os explorados –Les cariátide, como dizia Victor Hugo- têm direito a uma existência decente. Cuba reivindica a dignidade para "os mendigos, os ‘pouca coisa’, os nada, os cães, os negros e os magros” ["les gueux, les peu, les rien, les chiens, les nègres et les maigres”], para parafrasear o magnífico poema de Léon Gontran-Damas.
2. Fidel Castro é um ditador, tal como dizem os meios informativos?
SL: Os meios, por seus preconceitos ideológicos e seu desprezo apenas dissimulado para com os povos do Sul, são incapazes de compreender a transcendência histórica de Fidel Castro para Cuba, para a América Latina e para o Terceiro Mundo. Desde José Martí, o herói nacional cubano, nenhum outro personagem simbolizou com tanta força as aspirações do povo cubano à soberania nacional, à independência econômica e à justiça social como Fidel Castro. É um discurso que pode surpreender no Ocidente devido à campanha sistemática de desprestígio que faz estrago nos meios. No entanto, é a verdade, mesmo que os que zelam pela ideologia dominante não queiram admiti-lo, por estar afogados em sua cultura colonial e seu complexo de superioridade.
A figura de Fidel Castro é um símbolo de orgulho, de dignidade, de resistência e de lealdade aos princípios não só em Cuba, mas também em toda a América Latina e no Terceiro Mundo, pois o líder histórico da Revolução Cubana –apesar de todos os horrores que são ditos sobre ele- tomou as armas em favor dos oprimidos e reivindicou seu direito a uma vida decente. Renunciou a todos os seus privilégios de classe –convém recordar que sua família era uma das mais ricas de Cuba- para defender aos sem voz, abandonados à sua sorte e ignorados pelos poderosos.
Fidel Castro dispõe de uma legitimidade histórica. Lutou contra a sangrenta ditadura de Fulgencio Batista, armas na mão durante o ataque ao Quartel Moncada, em 1953, e durante a insurreição na Sierra Maestra. Triunfou contra forças superiores em número de apoiadas pelos Estados Unidos. Em um contexto de hostilidade extrema, realizou o sonho de José Martí de uma Cuba independente e soberana. Edificou a sociedade menos injusta do mundo, apesar de que continua sendo imperfeita como toda obra humana. Atreveu-se a afirmar que a felicidade somente tinha sentido se fosse compartilhada pela maioria. Por isso, sua figura suscita respeito e admiração em todo o planeta. Isso é imperdoável para os que se consideram donos do mundo.
Cada um tem direito a pensar o que quiser sobre o sistema eleitoral cubano. Porém, Fidel Castro foi eleito de 1976 a 2006. Antes dessa data, era somente Primeiro Ministro, não Presidente. Nenhum dirigente pode permanecer à cabeça de um país durante trinta anos, em um contexto lavrada pelos EUA, sem o apoio majoritário do povo. Não estou dizendo que não haja setores insatisfeitos, críticos e decepcionados. Porém, a imensa maioria dos cubanos tem muito respeito por Fidel. De fato, os documentos da Embaixada dos EUA m Cuba publicados por WikiLeaks admitem a popularidade incontestável do líder da Revolução em Cuba. Muitas vezes os meios se esquecem dessa realidade ou pretendem não vê-la.
Por acaso, cometeram erros? Claro! Quem nunca tiver pecado, atire a primeira pedra! A Revolução Cubana é obra de mulheres e de homens. Portanto, é, por definição, imperfeita. Os cubanos têm todas as virtudes e todos os defeitos da condição humana. Porém, jamais pretenderam erigir-se em modelos.
3. Uma palabra sobre a blogueira cubana Yoani Sánchez. Os meios informativos a apresentam como uma mulher Valente que denuncia os desmandos do sistema. Quem é ela, realmente?
SL: Destinei um capítulo completo de meu livro a ela. Yoani Sánchez é a principal figura da oposição cubana completamente criada pelos meios. É uma jovem de Havana, bastante inteligente para compreender que integrar o universo da dissidência e reclamar a instauração de um "capitalismo sui generis” –para retomar suas palavras- seria proveitoso. Enquanto os meios ignoram aos opositores do mundo inteiro, Yoani Sánchez sempre é o foco de atração para a imprensa.
Em 2007, criou um blog no qual descreve a realidade cubana desde um enfoque bastante obscuro. Quando alguém lê seus escritos, pensa que Cuba é a antecâmara do inferno e que Fidel Castro é o representante de Lúcifer na terra. Então, é pouco surpreendente que a imprensa faça mediação de seu discurso e se deleite com suas declarações. No entanto, trata-se de um personagem cheio de contradições. Por exemplo, descreve Cuba como o inferno de Dante; mas, decidiu regressar para lá após viver dois anos na Suíça, um dos países mais ricos do mundo. Seu blog é traduzido para quase 20 idiomas. Nenhum outro site do mundo, nem o da União Europeia, das Nações Unidas, da CIA ou do Departamento de Estado dispõe de semelhante diversidade linguística. É convidada por todo o mundo para dar conferências e recebeu inúmeros prêmios economicamente avultados. Assim, desde a criação de seu blog, Yoani Sánchez conseguiu reunir cerca de 300.000 euros, o equivalente a cerca de 25 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial e a mais de ...1.500 anos de salário mínimo em Cuba. É a representante da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), que agrupa todos os conglomerados midiáticos do continente, que lhe outorga um salário mensal de 6 mil dólares. Sem dúvida, ser dissidente em Cuba é um bom negócio.
A dissidente não representa aos cubanos, pois muito poucos são os que têm seu tipo de vida e ninguém deseja um regresso ao capitalismo. Os cubanos, inclusive as categorias mais insatisfeitas da população, desejam um socialismo mais eficaz, com menos proibições; porém, não um regresso ao capitalismo. Os cubanos se assombram quando descobrem que na Espanha as pessoas são expulsas de suas casas e são condenadas a viver na rua caso não possam pagar o crédito da casa. Ficam pasmados quando percebem que há dezenas de milhares de famílias sem teto e dezenas de milhares de residências vazias, que pertencem aos bancos. Para eles, semelhante sistema –ao qual, infelizmente, estão acostumados- é absurdo; e têm razão. Tudo isso é impossível em Cuba, pois os cidadãos não o permitiriam. A crise sistêmica capitalista levou milhares de espanhóis para o desamparo mais cabal, a tal ponto que 3 mil pessoas expulsas de suas casas já cometeram o suicídio, sem que a imprensa se digne a dizer uma só palavra sobre esse terrível drama. Imaginem se isso acontecesse em Cuba...
Por fim, os cubanos desprezam soberanamente aos que recebem benefícios do exterior para falar mal de seu país. Na realidade, poderosos interesses vinculados aos EUA se escondem por trás da figura de Yoani Sánchez.
4. O senhor também fala sobre o sistema social de Cuba, reconhecido por sua excelência. Quais são as cifras?
SL: Os meios evocam muito o fracasso que constituiria o sistema cubano, sem nunca dar cifras. As mais prestigiadas organizações internacionais, do Banco Mundial –sim, falei desde o Banco Mundial- até a Unesco, passando pela OMS, pela Unicef, pela Cepal ou pela União Europeia reconhecem a excelência do sistema social cubano. Algumas cifras ilustram essa realidade; é necessário recordar que Cuba é uma pequena nação pobre do Terceiro Mundo sem muitos recursos e é vítima de um estado de sítio econômico por parte de Washington desde 1960.
Apesar de todos os obstáculos, Cuba dispõe da esperança de vida mais elevada e da taxa de mortalidade infantil mais baixa do Terceiro Mundo. Inclusive, é muito mais baixa do que a do Canadá e dos Estados Unidos. A taxa de alfabetização é similar a dos países mais desenvolvidos. Segundo um estudo da Unesco, os alunos cubanos dispõem de duas vezes mais conhecimentos do que seus companheiros latino-americanos.
Quanto à saúde, Cuba dispõe do número mais alto de médicos per capita do mundo. Em cifras absolutas, Cuba dispõe de duas vezes mais médicos que o Reino Unido para uma população quatro vezes inferior. A cada ano, mais de 10 mil médicos se graduam em Cuba, e a metade provém do Terceiro Mundo. Tudo sem que paguem um centavo! É uma extraordinária façanha, em geral, pouco conhecida pela opinião pública. O país desenvolveu uma indústria biotecnológica de primeira magnitude e criou dezenas de vacinas. Quem sabe que a primeira vacina do mundo contra o câncer do pulmão é cubana?
No âmbito internacional, cerca de 40 mil médicos cubanos e outro pessoal de saúde trabalham gratuitamente nas zonas rurais dos países do Terceiro Mundo. Essa solidariedade, única no mundo, é totalmente ignorada pelos meios. Graças à Operação Milagre, lançada por Cuba, uma missão humanitária que consiste em operar pessoas sem recursos vítimas de catarata ou outras enfermidades oculares, mais de 2 milhões de pessoas de todo o mundo recobraram a vista. O programa de alfabetização cubano ‘Eu, sim, posso’ permitiu que mais de 5 milhões de pessoas de 30 países diferentes aprendessem a ler, a escrever e a somar.
Quem sabe que Cuba é o único país do mundo em atingir um desenvolvimento sustentável? É o que afirma a WWF, a mais importante organização de defesa do meio ambiente. Poderia multiplicar os exemplos. De fato, trata-se do capítulo mais longo de meu livro.
Cuba. Les médias face au défi de l’impartialitéPrefácio de Eduardo Galeano
Paris, Edições Estrella, 2013
230 páginas
18€
Disponível em livrarias e em Amazon
http://www.amazon.fr/Cuba-Medias-Face-Defi-lImpartialite/dp/2953128433/ref=sr_1_5?ie=UTF8&qid=1375693527&sr=8-5&keywords=salim+lamrani
Para qualquer pedido de um livro com dedicatória, escrevam para: lamranisalim@yahoo.fr.
[Fonte: Original em francês, publicado em Investig’action. Tradução do Espanhol enviada pelo autor].
Tradução: ADITAL

1. Os meios informativos apresentam a Cuba como um país liberticida, com um sistema político e econômico arcaico. Como o senhor analisa isso?
Salim Lamrani (SL): Os meios informativos apresentam uma imagem caricaturesca de Cuba e de seus dirigentes. Um abismo separa os clichês primários sobre este país da realidade complexa da ilha.
Esse é o objeto de meu último livro intitulado ‘Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité’ (Cuba. Os meios frente ao desafio da imparcialidade). Os grandes meios, que pertencem a importantes conglomerados econômicos e financeiros, cujo objetivo é preservar a ordem política, econômica e social estabelecida, são incapazes de neutralidade ou de objetividade para com Cuba, um país que coloca em xeque a ideologia dominante, que rechaça a acumulação a favor da repartição; que elege a solidariedade em vez do egoísmo; que preconiza o coletivo em detrimento do individual e que situa ao ser humano no centro de seu projeto de sociedade e não os interesses do poder do dinheiro.
Então, é natural que os defensores da ordem estabelecida ataquem a Cuba da forma mais feroz, a estigmatizem, a vilipendiem e a caluniem e, ao mesmo tempo, proíbem todo debate crítico ou toda pluralidade de ideias. A censura é sumamente severa no Ocidente cada vez que se trata de apresentar um ponto de vista alternativo sobre a Revolução Cubana, que entraria em contradição com o pensamento único. O dogmatismo mais absurdo substitui os argumentos. É muito fácil ilustrar até que ponto a imagem de Cuba veiculada pelos meios é falsa, e espero ter demonstrado isso em meu livro.
Se vilipendia tanto a Cuba porque esse país, apesar de suas dificuldades, de suas contradições, de seus erros e de suas vicissitudes, tem valor de exemplo. É a prova de que uma sociedade alternativa baseada na repartição, na solidariedade, no altruísmo, na cultura, na educação, na saúde é possível e viável.
Cuba é um antídoto contra a resignação dos povos. No entanto, dispõe de recursos naturais sumamente limitados e é vítima de sanções econômicas muito severas por parte dos Estados Unidos há meio século. Apesar disso, a Revolução Cubana é a ilustração perfeita de que a humanidade não está condenada à humilhação e afirma firmemente que a plebe, os oprimidos, os explorados –Les cariátide, como dizia Victor Hugo- têm direito a uma existência decente. Cuba reivindica a dignidade para "os mendigos, os ‘pouca coisa’, os nada, os cães, os negros e os magros” ["les gueux, les peu, les rien, les chiens, les nègres et les maigres”], para parafrasear o magnífico poema de Léon Gontran-Damas.
2. Fidel Castro é um ditador, tal como dizem os meios informativos?
SL: Os meios, por seus preconceitos ideológicos e seu desprezo apenas dissimulado para com os povos do Sul, são incapazes de compreender a transcendência histórica de Fidel Castro para Cuba, para a América Latina e para o Terceiro Mundo. Desde José Martí, o herói nacional cubano, nenhum outro personagem simbolizou com tanta força as aspirações do povo cubano à soberania nacional, à independência econômica e à justiça social como Fidel Castro. É um discurso que pode surpreender no Ocidente devido à campanha sistemática de desprestígio que faz estrago nos meios. No entanto, é a verdade, mesmo que os que zelam pela ideologia dominante não queiram admiti-lo, por estar afogados em sua cultura colonial e seu complexo de superioridade.
A figura de Fidel Castro é um símbolo de orgulho, de dignidade, de resistência e de lealdade aos princípios não só em Cuba, mas também em toda a América Latina e no Terceiro Mundo, pois o líder histórico da Revolução Cubana –apesar de todos os horrores que são ditos sobre ele- tomou as armas em favor dos oprimidos e reivindicou seu direito a uma vida decente. Renunciou a todos os seus privilégios de classe –convém recordar que sua família era uma das mais ricas de Cuba- para defender aos sem voz, abandonados à sua sorte e ignorados pelos poderosos.
Fidel Castro dispõe de uma legitimidade histórica. Lutou contra a sangrenta ditadura de Fulgencio Batista, armas na mão durante o ataque ao Quartel Moncada, em 1953, e durante a insurreição na Sierra Maestra. Triunfou contra forças superiores em número de apoiadas pelos Estados Unidos. Em um contexto de hostilidade extrema, realizou o sonho de José Martí de uma Cuba independente e soberana. Edificou a sociedade menos injusta do mundo, apesar de que continua sendo imperfeita como toda obra humana. Atreveu-se a afirmar que a felicidade somente tinha sentido se fosse compartilhada pela maioria. Por isso, sua figura suscita respeito e admiração em todo o planeta. Isso é imperdoável para os que se consideram donos do mundo.
Cada um tem direito a pensar o que quiser sobre o sistema eleitoral cubano. Porém, Fidel Castro foi eleito de 1976 a 2006. Antes dessa data, era somente Primeiro Ministro, não Presidente. Nenhum dirigente pode permanecer à cabeça de um país durante trinta anos, em um contexto lavrada pelos EUA, sem o apoio majoritário do povo. Não estou dizendo que não haja setores insatisfeitos, críticos e decepcionados. Porém, a imensa maioria dos cubanos tem muito respeito por Fidel. De fato, os documentos da Embaixada dos EUA m Cuba publicados por WikiLeaks admitem a popularidade incontestável do líder da Revolução em Cuba. Muitas vezes os meios se esquecem dessa realidade ou pretendem não vê-la.
Por acaso, cometeram erros? Claro! Quem nunca tiver pecado, atire a primeira pedra! A Revolução Cubana é obra de mulheres e de homens. Portanto, é, por definição, imperfeita. Os cubanos têm todas as virtudes e todos os defeitos da condição humana. Porém, jamais pretenderam erigir-se em modelos.
3. Uma palabra sobre a blogueira cubana Yoani Sánchez. Os meios informativos a apresentam como uma mulher Valente que denuncia os desmandos do sistema. Quem é ela, realmente?
SL: Destinei um capítulo completo de meu livro a ela. Yoani Sánchez é a principal figura da oposição cubana completamente criada pelos meios. É uma jovem de Havana, bastante inteligente para compreender que integrar o universo da dissidência e reclamar a instauração de um "capitalismo sui generis” –para retomar suas palavras- seria proveitoso. Enquanto os meios ignoram aos opositores do mundo inteiro, Yoani Sánchez sempre é o foco de atração para a imprensa.
Em 2007, criou um blog no qual descreve a realidade cubana desde um enfoque bastante obscuro. Quando alguém lê seus escritos, pensa que Cuba é a antecâmara do inferno e que Fidel Castro é o representante de Lúcifer na terra. Então, é pouco surpreendente que a imprensa faça mediação de seu discurso e se deleite com suas declarações. No entanto, trata-se de um personagem cheio de contradições. Por exemplo, descreve Cuba como o inferno de Dante; mas, decidiu regressar para lá após viver dois anos na Suíça, um dos países mais ricos do mundo. Seu blog é traduzido para quase 20 idiomas. Nenhum outro site do mundo, nem o da União Europeia, das Nações Unidas, da CIA ou do Departamento de Estado dispõe de semelhante diversidade linguística. É convidada por todo o mundo para dar conferências e recebeu inúmeros prêmios economicamente avultados. Assim, desde a criação de seu blog, Yoani Sánchez conseguiu reunir cerca de 300.000 euros, o equivalente a cerca de 25 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial e a mais de ...1.500 anos de salário mínimo em Cuba. É a representante da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), que agrupa todos os conglomerados midiáticos do continente, que lhe outorga um salário mensal de 6 mil dólares. Sem dúvida, ser dissidente em Cuba é um bom negócio.
A dissidente não representa aos cubanos, pois muito poucos são os que têm seu tipo de vida e ninguém deseja um regresso ao capitalismo. Os cubanos, inclusive as categorias mais insatisfeitas da população, desejam um socialismo mais eficaz, com menos proibições; porém, não um regresso ao capitalismo. Os cubanos se assombram quando descobrem que na Espanha as pessoas são expulsas de suas casas e são condenadas a viver na rua caso não possam pagar o crédito da casa. Ficam pasmados quando percebem que há dezenas de milhares de famílias sem teto e dezenas de milhares de residências vazias, que pertencem aos bancos. Para eles, semelhante sistema –ao qual, infelizmente, estão acostumados- é absurdo; e têm razão. Tudo isso é impossível em Cuba, pois os cidadãos não o permitiriam. A crise sistêmica capitalista levou milhares de espanhóis para o desamparo mais cabal, a tal ponto que 3 mil pessoas expulsas de suas casas já cometeram o suicídio, sem que a imprensa se digne a dizer uma só palavra sobre esse terrível drama. Imaginem se isso acontecesse em Cuba...
Por fim, os cubanos desprezam soberanamente aos que recebem benefícios do exterior para falar mal de seu país. Na realidade, poderosos interesses vinculados aos EUA se escondem por trás da figura de Yoani Sánchez.
4. O senhor também fala sobre o sistema social de Cuba, reconhecido por sua excelência. Quais são as cifras?
SL: Os meios evocam muito o fracasso que constituiria o sistema cubano, sem nunca dar cifras. As mais prestigiadas organizações internacionais, do Banco Mundial –sim, falei desde o Banco Mundial- até a Unesco, passando pela OMS, pela Unicef, pela Cepal ou pela União Europeia reconhecem a excelência do sistema social cubano. Algumas cifras ilustram essa realidade; é necessário recordar que Cuba é uma pequena nação pobre do Terceiro Mundo sem muitos recursos e é vítima de um estado de sítio econômico por parte de Washington desde 1960.
Apesar de todos os obstáculos, Cuba dispõe da esperança de vida mais elevada e da taxa de mortalidade infantil mais baixa do Terceiro Mundo. Inclusive, é muito mais baixa do que a do Canadá e dos Estados Unidos. A taxa de alfabetização é similar a dos países mais desenvolvidos. Segundo um estudo da Unesco, os alunos cubanos dispõem de duas vezes mais conhecimentos do que seus companheiros latino-americanos.
Quanto à saúde, Cuba dispõe do número mais alto de médicos per capita do mundo. Em cifras absolutas, Cuba dispõe de duas vezes mais médicos que o Reino Unido para uma população quatro vezes inferior. A cada ano, mais de 10 mil médicos se graduam em Cuba, e a metade provém do Terceiro Mundo. Tudo sem que paguem um centavo! É uma extraordinária façanha, em geral, pouco conhecida pela opinião pública. O país desenvolveu uma indústria biotecnológica de primeira magnitude e criou dezenas de vacinas. Quem sabe que a primeira vacina do mundo contra o câncer do pulmão é cubana?
No âmbito internacional, cerca de 40 mil médicos cubanos e outro pessoal de saúde trabalham gratuitamente nas zonas rurais dos países do Terceiro Mundo. Essa solidariedade, única no mundo, é totalmente ignorada pelos meios. Graças à Operação Milagre, lançada por Cuba, uma missão humanitária que consiste em operar pessoas sem recursos vítimas de catarata ou outras enfermidades oculares, mais de 2 milhões de pessoas de todo o mundo recobraram a vista. O programa de alfabetização cubano ‘Eu, sim, posso’ permitiu que mais de 5 milhões de pessoas de 30 países diferentes aprendessem a ler, a escrever e a somar.
Quem sabe que Cuba é o único país do mundo em atingir um desenvolvimento sustentável? É o que afirma a WWF, a mais importante organização de defesa do meio ambiente. Poderia multiplicar os exemplos. De fato, trata-se do capítulo mais longo de meu livro.
Cuba. Les médias face au défi de l’impartialitéPrefácio de Eduardo Galeano
Paris, Edições Estrella, 2013
230 páginas
18€
Disponível em livrarias e em Amazon
http://www.amazon.fr/Cuba-Medias-Face-Defi-lImpartialite/dp/2953128433/ref=sr_1_5?ie=UTF8&qid=1375693527&sr=8-5&keywords=salim+lamrani
Para qualquer pedido de um livro com dedicatória, escrevam para: lamranisalim@yahoo.fr.
[Fonte: Original em francês, publicado em Investig’action. Tradução do Espanhol enviada pelo autor].