domingo, 24 de novembro de 2013

HONDURAS - ESTAMOS COM XIOMARA !



Da crise da hegemonia neocolonial norte-americana ao surgimento de um povo que conquista sua autonomia

Ricardo Zúniga García
Adital
Fronteira estratégica na América Central
Tradução: ADITAL



Honduras, como a maioria dos países da América Central, tem uma natureza invejável, excelentes solos para a agricultura e reflorestamento, praias e belas ilhas no mar Caribe, excelente posição geopolítica, uma população predominantemente jovem... bom potencial para um desenvolvimento que permita um nível de vida digno para todos os seus filhos/as; uma herança de dignidade inspirada em seu prócer nacional, Francisco Morazán; porém, também o lastro de uma herança colonial e neocolonial que, por muito tempo, foi hegemônico no país e ainda hoje o impede de avançar em sua afirmação como nação. Porém, há ventos de mudança: setores populares se organizam cada vez mais, manifestando gradual, mas massivamente, a possibilidade de organizar a sociedade com uma lógica diferente a que tem imperado por quase 200 anos, gerando opressão e iniquidade.
Em rápidas pinceladas históricas, basta ressaltar que no país houve uma dinâmica econômica exógena a serviço das potências coloniais, explorando matérias primas agrícolas e minerais. Tem gerado excelentes rendimentos para a exploração florestal e mineira, para a agroexportação e seus lucros são concentrados por uma reduzida elite nacional a serviço dos interesses coloniais.
De certo modo, Honduras é um país símbolo na América Latina; aí aconteceu o golpe militar de junho de 2009, que estimulou um despertar popular. Porém, ao mesmo tempo, produziu o mais forte movimento repressivo na América Latina nos últimos cinco anos.
Esse golpe de Estado contra o governo legítimo e constitucional de Manuel Zelaya foi dado com a cumplicidade da administração norte-americana porque Zelaya estava implementando reformas para redistribuir a riqueza de maneira menos injusta, lutando por melhores preços para os produtos hondurenhos e buscando, no contexto da subido do preço do petróleo, um abastecimento energético mais econômico para seu país. Nesse esforço, encontrou a mão solidária do governo da Venezuela, liderado pelo presidente Chávez.
Seguindo essa dinâmica, Honduras ingressa ao Petrocaribe e, posteriormente, em agosto de 2008, ingressa a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América). Essas simples medidas nacionalistas, no marco do sistema capitalista, foram inaceitáveis por parte da oligarquia hondurenha, que decidiu dar o golpe de Estado e, posteriormente, desatar a maior repressão contra o povo organizado, de 2009 até hoje.
É claro que com sua entrada a Alba, Honduras estava mudando a geopolítica da América Central, ao passar de ser o peão tradicional da política guerreirista dos Estados Unidos a um novo espaço de recuperação de direitos sociais e da integração bolivariana da América Latina.
Sem ser exaustivos na apresentação da violência, destacamos mais de 60 camponeses assassinados por reclamar o direito à terra e ao trabalho; 29 jornalistas; dezenas de professores e dirigentes sindicais. Tudo isso no lapso dos últimos três anos.
Além da violência mais diretamente exercida pela repressão política, está a violência de gênero. Em 2012, houve uma média de 51 mulheres assassinadas a cada mês, o que é chocante, em um país onde a mulher tem uma grande participação na economia de base e vai alcançando maior participação política. Por outro lado, o índice geral de homicídios é muito elevado: 86 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Os meios de comunicação, superficialmente, costumam destacar que Honduras é o país mais violento do mundo. Porém, não assinalam as causas e nem os atores da violência. É importante perguntar-se como é possível tal número de homicídios. É absurda a qualificação de povo violento para o hospitaleiro e receptivo povo hondurenho. Quem conhece Honduras, sobretudo na área rural, pode confirmar isso.
A verdade tem que ser dita com todas as letras: essa violência é filha direta da cobiça das oligarquias, que exploram o povo hondurenho; é filha direta da secular intervenção militar e política dos grupos hegemônicos dos Estados Unidos que por mais de cem anos espolia e violenta ao povo hondurenho. O povo hondurenho não é violento; a violência lhe tem sido imposta por um sistema injusto que, arbitrariamente, o condena à fome e ao desemprego.
Porém, como a história é dialética, nem tudo tem sido negativo a partir do golpe de Estado de 2009, pela convergência do rechaço interno e externo ao golpe de Estado e a incapacidade das oligarquias dominantes para buscar uma saída negociada, o povo hondurenho vem reivindicando seus direitos, mobilizando-se..., manifestando claramente uma maior consciência política.
Ante o aumento da repressão, os diários assassinatos de seus líderes, o povo organizado no movimento de Resistência ao Golpe de Estado analisa frequentemente a conjuntura; identifica e denuncia os crimes das forças oligárquicas respaldadas pelo governo, mostrando o injusto funcionamento do sistema que distribui os ingressos de maneira evidentemente injusta. Ante a repressão militar e as propostas de maior entrega do país aos interesses do grande capital, como acontece com o projeto de ‘cidades-modelo’, a Frente de Resistência ao Golpe chamou à mobilização e à resistência permanente. Apesar de ter sido aprovada como lei, a proposta de ‘cidades-modelo’, que entrega a soberania do país a grandes corporações, cria um enclave onde as leis nacionais não têm plena vigência. O movimento conseguiu gerar um nível de protesto de tal monto que tem desestimulado aos grandes capitalistas a investir em dito projeto.
Politicamente, o processo de organização popular tem sido estimulado pela brutal repressão desencadeada pelo golpe de Estado. Durante todo esse período, houve uma forte mobilização popular na terra de Morazán. Em determinadas épocas, as marchas têm sido quase diárias. E os protestos têm abarcado quase todos os aspectos dos direitos básicos populares: terra, educação, saúde, liberdade de organização comunitária e sindical, democracia participativa.
Por seu lado, o governo golpista e seu sucessor eleito sob a "legalidade” golpista, vêm sofrendo um processo de deterioro. São incapazes de resolver os problemas básicos do povo hondurenho; ao contrário, estão mais complicados.
O III relatório de Análise Política Prospectiva, publicado em 2012 pela Oxfam, observa o seguinte acerca de tal gestão:
"O governo que assumiu no dia 27 de janeiro de 2010, encabeçado por Porfirio Lobo, candidato do Partido Nacional, partido cúmplice no golpe de Estado e cuja bancada aplaudiu formalmente o derrocamento do presidente Manuel Zelaya Rosales, tem sido um governo que teve que registrar uma das maiores ondas de violência, homicídio, massacres às classes populares nunca vistos em Honduras. Basta mencionar a cifra de 20 assassinatos por dia para entender a terrível dimensão em que vive o povo hondurenho. Ou ver o empobrecimento do povo, onde 46% vivem na miséria com apenas um dólar por dia para sobreviver, ou 66,7% da população considerados pobres”.
E mais adiante continua, ressaltando tendências que, efetivamente, se aprofundaram em 2013:
"As tendências mais relevantes da situação hondurenha são as seguintes: i) Redução do crescimento da economia hondurenha e deterioro das condições sociais em um contexto econômico internacional adverso; ii) Decomposição da institucionalidade estatal e remilitarização do Estado; iii)Priorização na agenda governamental do tema da seguridade e maior presença do governo estadunidense nas decisões internas; iv) Impugnação cidadã à democracia realmente praticada; v) Redução do respaldo cidadão ao bipartidarismo tradicional e emergência de novas forças políticas; vi) Reconfiguração de orientações políticas dentro do bipartidarismo tradicional; vii) Conservação da influência dos meios de comunicação tradicionais; viii) Consolidação da liderança de Manuel Zelaya como ator político; ix) Reativação das lutas sociais; x) Avanço rumo à polarização política eleitoral e um esperado não usual debate sobre o futuro do país”.
Ou seja, por um lado, o deterioro e a incapacidade de governar por parte da oligarquia que tem que recorrer com mais frequência e diretamente à força bruta para conseguir impor-se. E, por outro lado, há um processo de maior consciência, articulação e projeção das forças populares.
Observando a partir das experiências históricas de luta, há um ingrediente que podemos observar na prolongada luta política do povo nicaraguense contra a ditadura de Somoza, na Nicarágua, país vizinho e irmão de Honduras. Quando a ditadura entrou em crise de legitimidade, sua corrupção e crimes foram cada vez mais evidentes, o povo se mobilizou cotidianamente por suas reivindicações. Cada vez com mais amplitude e massividade, e há um momento em que, como sujeito coletivo, perde o temor à repressão e continuando na luta, chega a perder até o medo à morte. A partir desse momento, se fortalecem as convicções. Os líderes, individualmente, sabem que são vulneráveis; porém, como coletivo, como povo organizado, sentem-se invencíveis e sabem que cedo ou tarde vencerão; e suas concretas e grandes causas avançarão.
Isso aconteceu na Nicarágua, por um conjunto de fatores, após o assassinato de muitos militantes populares; porém, teve seu momento de eclosão com o assassinato do valente jornalista Pedro Joaquín Chamorro. Observando algumas marchas populares noticiadas pela mídia desse país irmão, tenho a impressão de que o povo organizado hondurenho também chegou a esse umbral de perda do medo à repressão e à morte (é claramente o caso do movimento camponês de Bajo Aguán).
É claro que a situação hoje é mais complexa; porém, apesar de toda a sofisticação da repressão, as organizações populares também podem gerar recursos para sofisticar sua luta.
A Frente de Resistência Popular contra o Golpe de Estado, guarda chuva que reúne um amplo leque de forças políticas que lutam contra a repressão, incapacidade e o caráter oligárquico do grupo hegemônico que governa Honduras, conseguiu articular-se melhor, resolver suas contradições secundárias, apresentar um projeto político de refundação nacional e concorre às eleições presidenciais e parlamentares desse próximo domingo, 24 de novembro.
Apesar de que o bloco hegemônico controla todos os grandes meios de imprensa, o poder eleitoral e todo o aparelho do Estado, é possível que o Partido Livre e sua candidata possam resultar vencedores na contenda eleitoral desse domingo, abrindo uma nova etapa na história de Honduras, que lhes poderia permitir refundar o país. As últimas pesquisas publicadas davam um empate técnico entre o candidato do Partido Nacional (governante) e a candidata do Partido Livre.
No entanto, apesar de que manobras fraudulentas possam impor-se e impedir a vitória de Xiomara Castro de Zelaya (esposa do ex-presidente Manuel Zelaya), não há dúvidas de que essa frente política alcançará uma melhor correlação de forças para empenhar-se desde as mobilizações populares, organizações comunitárias e desde os espaços institucionais obtidos nas eleições para continuar na luta, em melhores condições que nas atuais.
De fato, em pouco tempo de funcionamento (uns três anos) já conseguiu vencer o antigo bipartidarismo, propondo mais claramente a contradição da exploração das grandes corporações sobre as maiorias trabalhadoras cada dia mais empobrecidas.